(Essa "estória" aconteceu há alguns anos. A morte de um mototaxista. A publico hoje como uma despedida da Semana Nacional do Trânsito. Nela, mesmo nela, a história se repetiu - Jackson Lima)
Amanheceu chovendo no dia em que ele iria morrer.
Saiu da cama, foi ao banheiro. Trocou de roupa, beijou a mulher pela
última vez, colocou o colete de mototaxista e saiu para ganhar a vida. Fez
umas três corridas. Levou um turista paulista para o Paraguai. Paraguai é
como os brasileiros andam chamando a cidade de Yaboti Porã. Voltou, se livrou
de um assalto e pegou mais duas corridas. Uma para o hospital – uma mulher ia
visitar o marido e outra para o supermercado. Enquanto aguardava a cliente, a
mulher dele telefonou.
— Alô! É você pai? — Pai é aquele jeito de mulher chamar o marido, e significa
que está tudo bem,
— Quem mais, o Ricardão? Que é que você quer?
— Viu, traga leite e óleo.
Nenê ta com fome.
— Tá bom, tou
indo.
Entrou no mercado e comprou o que a mulher pediu.
Uma caixa de leite líquido – desse tipo que é chamado de longa vida e uma
pacote de leite líquido em saco plástico. Aproveitou e levou também óleo
de cozinha.
Na mesma manhã, Marina Pepa Koffin, saiu da cama
com um peso no peito. Não queria fazer nada. Quando colocou o pé no chão,
sentiu que deveria ter continuado dormindo. Aproveitou que estava de folga,
saiu, para pagar contas. Passou em algumas lojas e recolheu folhetos de
divulgação de um curso de pós em uma faculdade da cidade. Almoçou no centro da
cidade em um restaurante popular.
À tarde, voltou a casa só para levar o Arthur para
a escola.
—Com essa chuva bem que
ele poderia faltar, pensou.
Colocou o Arthurzinho na cadeirinha
para crianças, assegurou-se de que não esquecera o celular e partiu. Tomou rumo
ao norte até a esquina da Rua dos Ipês e depois girou para o sul na Avenida das
Cachopas. Entrou na avenida pela extremidade sul. O trânsito estava calmo. O
asfalto molhado parecia um espelho – debaixo de cada carro estacionado, parecia
haver outro, agarrado a ele e de cabeça para baixo. O celular toca e ela
atende. Era o marido.
— Pode falar?
— Posso amor.
O Arthurzinho, diz alguma coisa e ela volta o rosto
para trás na direção dele.
O mototaxista vê o carro que vinha em sua direção.
Mas não havia perigo. O carro subia a via dele e ele descia. Como era rua de
mão dupla, tudo estava bem e sob controle.
O carro se desvia ligeiramente à esquerda. De
repente, um choque, uma batida, um barulho típico de desastre. Ela para o
carro. O mototaxista, está no chão. O leite do saco plástico escorria pela
galeria de águas pluviais. A caixa do leite, havia partido. O óleo de soja
comprado de emergência caiu na boca de lobo. Arthuzinho gritou de
desespero. Ele não entendia nada mas sentiu telepaticamente o que a mãe sentia.
Começou a chorar, espernear, gritar. Gente apareceu de todos os lados. Daí veio
o Siate com paramédicos e médicos. Joaquim o taxista de moto estava morto. No
chão. Enquanto era levado pelos guardiões, se via na chuva, uma bela mulher
com um enorme guarda-chuva que o protegia.
— Eu só queria levar o leite —
protestava, mas já em paz.
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