terça-feira, 26 de julho de 2022

Os iguaçuenses vão conseguir acabar com a saúva?

Foto A. Schneider / Research Gate

Eu não acreditei nas minhas orelhas quando ouvi o jornal do Meio Dia Paraná em Foz do Iguaçu fazer a chamada para a recém descoberta "invasão de saúvas" em Foz do Iguaçu. 

Como sempre a cobrança era na direção do "Poder Público" no sentido de que as autoridades abram fogo contra as formigas. Ou melhor lancem uma campanha de extermínio da saúva de preferência com venenos. 

Foto Universidade McGill 

Eu já anuncio: vão todos perder a guerra. E digo por quê. A guerra contra a saúva é antiga. Há 202 anos, o botânico, pesquisador e viajante francês Yves Saint-Hilaire responsável por muito do conhecimento que temos hoje da natureza no Brasil disse: 

“Se o Brasil não acabar com a saúva, a saúva acaba com o Brasil”. 

Parece-me que esta foi a única frase besta que Saint-Hilaire disse. Digo que a frase foi besta porque ele deu uma de enxerido e se meteu onde não devia: com as saúvas. Ele deu uma de sibite (içabitu) e deu no que deu. A sibite são machos da saúva que acompanham as fêmeas já fecundadas em voo só para irem caindo ao longo do caminho e fazerem a alegria das galinhas, desde que criadas livres. Já as içás fêmeas crescem mais da conta desenvolvem um corpo robusto com destaque para a "bunda" (aparentemente) ou região onde os ovos são guardados. 

Tem uma época do ano, pode ser outubro, em que as iças já com nome de tanajura voam aos milhares. Quando isso acontece, as ruas de cidades ao longo da costa brasileira se enchem de gente que esperam capturar as tanajuras. À noite elas já estão todas preparadas e prontas para irem ao fogão onde serão preparadas elaboradas receitas de saúva especialmente a farofa de tanajura.   

Ao contrário do enxerido Saint-Hilaire e dos iguaçuenses responsáveis por uma reportagem excelente no que se refere ao trabalho dos meus colegas, há outra figura ilustre brasileira que anda meio à margem de nossas lembranças. Estou falando de Monteiro Lobato. Em uma carta a um amigo, em 1903, veja o que o grande escritor escreveu: 

“Não és capaz, nunca, de adivinhar o que estou comendo. Estou comendo … Tenho vergonha de dizer. Estou comendo um companheiro daquilo que alimentava S. João no deserto: içá torrado! Sabe, Rangel, que o içá torrado é o que no Olimpo grego tinha o nome de ambrosia? Está diante de mim uma latinha de içás torrados que me mandam de Taubaté. Nós, taubateanos, somos comedores de içás. Como é bom, Rangel! Prova mais a existência do Bom Deus do que todos os argumentos do Porfírio Aguiar. Só um ser Onipotente e Onisciente poderia criar semelhante petisco!”

Em outra carta, Lobato escreve: "... nunca no mundo ninguém jamais ‘pensou’ sobre o içá – e pelo jeito é realmente coisa ‘impensamentável’. Mas já que dona Silvina pede, faço um esforço e digo que o içá é o caviar da gente taubateana.

Como você sabe, o famosíssimo e apreciadíssimo caviar da Rússia é a ova dum peixe de nome esturjão; e que é o abdômen (vulgo bundinha) da içá senão a ova da formiga saúva?

Uma garrafa PET de bundinha de tanajura chegava a custar a R$ 100 antes da inflação em Taubaté (SP). Falando como alguém que come, Monteiro Lobato deu glórias a Deus pela criação do quitute: "Só um ser Onipotente e Onisciente poderia criar semelhante petisco!”


Saint-Hilaire ou Monteiro Lobato?

O primeiro errou feio. Nem o Brasil acabou com a saúva mesmo após 200 anos de tentativas e envenenamento em massa e nem a saúva acabou com o Brasil. 

Minha sugestão é que façamos as pazes com a saúva e transformemos um problema em solução. Daí faço uma pergunta: quais universidades ou faculdades em Foz do Iguaçu está incluindo em suas ementas a biologia da saúva? Não no sentido da grade curricular dos cursos de controle de pestes na família da galera da agronomia. Mas para entender como produzir saúvas, obter tanajuras e fornecê-las como uma fonte de alimento? Veja este vídeo para entender como criar formigas)

E não me matem

Há alguns anos eu fiz um roteiro dos grandes formigueiros de Foz com dois propósitos. Número um, poder mostrar a beleza da arquitetura especialmente das providências tomadas para que não entre água. Segundo para que eu ficasse atento e à espera de uma revoada prevendo a complementação alimentar. Mas, a tempo descobri o perigo. Na entrada dos sauveiros havia um pozinho branco. Veneno! Já pensou eu morto envenenado? 

Nota 

Saúva em gurani é "ysau" No Paraná, Saint Hilaire é homenageado com um Parque Nacional