domingo, 29 de outubro de 2023

Crise dos turistas: as diferentes filas e situações de fila na Fronteira Trinacional

 

Já foi assim: cabinas para controle de entrada e saída já funcionaram muito bem. Veículos Peugeot em fila passando pela PF rumo a Puerto Iguazu para uma festa  


Grupo de jornalistas na área de controle da Migraciones argentina às 6h da manhã com direito a luz verde ou vermelha para liberar bagagens

Embora o título desta postagem mantenha o destaque à Crise dos Turistas, o propósito aqui não é destacar a crise. Vou dividir a postagem em sete partes: 1) A fronteira não é para amador 2) Ranking das filas 3) Vingança do proletário 4) Pequenos mas metidos (Mercosul, Aladi, Capitais) 5) Pode ficar pior 6) Cachorro atrás rabo 

1) Não é para amador
A fronteira não é para amador e ao mesmo tempo é só para amador. Note que a raiz da palavra  "amador" é parte do verbo "amar". Há uma relação de carinho. O amador ama. Há quem ame a fronteira. E há quem administre. Este último deve ser cobrado. Essa história de valorizar o amador é emprestado de Freeman Tilden um dos grandes divulgadores da disciplina e arte da "interpretação" que pode ser aplicada a tudo inclusive à "interpretação da fronteira" com o intuito de valorizar o interpretado. 

2) Ranking das filas
As filas da fronteira são muitas e de vários aspectos: fila para entrar na Argentina, fila para entrar no Brasil, fila zero para pedestres entrar no Paraguai. No quesito organização de fila o primeiro lugar vai para a Argentina. Neste quesito o lado brasileiro leva no momento a pior nota por falta de estrutura e idiosincrasia do brasileiro. Note que quando se fala em fila na fronteira em Foz vem à nossa mente uma longa fila de carros com seus passageiros torrando em seus respectivos interiores. No caso da "fila da Argentina", a gente pode observar o item três. 

3) A vingança do proletário
A fila da Argentina desmente o ditado de que a corda quebra ou se rompe sempre no lado mais fraco. O lado mais fraco da fronteira na área de transporte público é o do usuário desse transporte. Esses, por que não dizer nós, somos privilegiados.  Quem mais sofre na fila são as pessoas que têm carros e quanto mais caro o carro maior o prejuízo. Quem vai de Foz do Iguaçu para Puerto Iguazu de ônibus do "transporte coletivo metropolitano internacional de passageiros - TCMIP" leva no máximo meia hora para atravessar a fronteira. Todos os passageiros desembarcam sem exceção. Entram em uma fila e 15 minutos depois o ônibus já está saindo. Enquanto isso na fila, estão todos os carros dos que se deram melhor na vida e "dançaram" na fila.  A passagem pelo balcão migratório inclui também a passagem pela raio X da Aduana, se estiver funcionando.  Se o passageiro estiver enrolado, o motorista dá um ticket para que ele embarque no próximo ônibus da mesma empresa. O TVMIP não é nome oficial até porque não existe "metrópole trinacional". Cada lado tem sua área metropolitana com cada lado inventando a roda. A área metropolitana mais definida é  a de Ciudad del Este que é capital. Mas nem tudo são flores para os proletários que atravessaram a fronteira sem demora.  A vingança dos "com carro" acontece na volta. Os ônibus não funcionam à noite e noite começa a partir da 19h30. Sábado e domingo lá por volta das 15h já é noite.

Não há fila para pessoas sair do Brasil e nem para pessoas entrar no Paraguai. Mas preste atenção em duas coisas: falamos somente de pessoas que vão a pé para o Paraguai. No mínimo dois, três milhões ou serão quatro milhões de pessoas fazem isso por ano? Esse monte de gente não aparece em nenhuma estatística migratória. É como se fossem invisíveis. E isso não é bom para as estatísticas do turismo do Paraguai em número de visitantes registrados pela Direção Geral de Migraciones. O complexo Migratório de Ciudad del Este tem menos entrada de "turistas" do que o complexo de Puerto Falcón (PY) -Clorinda, (ARG) na grande Assunção e perde para Encarnación. As autoridades não gostam disso. Aguarde mudança que um dia vem!

4) Pequenos mas metidos
No Brasil a gente diz que Foz do Iguaçu é a fronteira mais movimentada do Brasil o mesmo pode-se dizer nos lados "vinculados" no Paraguai e na Argentina. Isso é muito bom. Mas também é muito ruim. Nenhum país do mundo parece levar a sério fronteiras. Prova disso é que na academia continuam saindo do forno TCCs, dissertações e mestrados sobre fronteiras. A maioria são lugares esquecidos que separam dois ou mais países. É por isso que uma Tri-Fronteira com dezenas de centenas de milhares de moradores com estruturas razoáveis incluindo faculdades, shoppings, cinemas,  não é do agrado da administração pública. 

A Tri-Fronteira forma uma comunidade pequena mas metida e que força os governos a criarem soluções desconhecidas. Exemplo a ANTT do Brasil (e suas equivalentes na Argentina e Paraguai) tiveram que criar um subsistema de transporte internacional de passageiros e enxertá-lo no sistema da  ALADI dentro do Acordo sobre Transporte Internacional Terrestre (ATIT). O enxerto tem nome: Circuito Turístico  da Tríplice Fronteira.
Não confundir as vans, ônibus e carros do Circuito Turístico da Tríplice Fronteira. com os ônibus de empresas como a Rio Uruguay, Crucero del Norte, Nuestra Señora de la Asunción, Chaco Boreal pela Argentina e Paraguai e Easybus pelo Brasil. Os primeiro fazem um "circuito fechado" dentro do turismo. As outras são concessões dadas pelas capitais Brasília, Assunção e Buenos Aires. Os ônibus saem da Rodoviária de Foz com destino a Rodoviária de Ciudad del Este com parada no complexo migratório brasileiro e paraguaio para que façam trâmite de saída do Brasil e mais tarde de entrada no  Paraguai. 
Os brasileiros não fazem saída do Brasil desde que o presidente Fernando Collor acabou com a necessidade.  Os ônibus dão tickets para continuação da viagem no próximo ônibus da empresa para os passageiros que necessitem de mais tempo nos guichês.   

Há uma linha que une Puerto Iguazu e Ciudad del Este via Foz do Iguaçu sem direito de parada. Ela não pode ser usada por alguém que planeja desembarcar em Foz do Iguaçu a não ser por motivo de saúde tipo infarto. Neste caso o ônibus para, o SAMU é  chamado e ninguém desce. Fora isso este ônibus não pode parar em Foz exceto nos sinaleiros (semáforos), não pode desembarcar passageiros e muito menos embarcar. Mas de vez em quando vejo um ônibus parar e alguém descer. Super ilegal!     

5) Pode ficar pior
Neste quesito convido aos iguaçuense que gostam de memórias que corram para fotografar e guardar lembranças boas e ruins do complexo sanitário, migratório- aduaneiro da Ponte Tancredo Neves. Haverá uma nova estrutura. Quem garante que será melhor? Quem viu o projeto? Há projeto? A estrutura atual vai ser demolida? Lembremos que o complexo é sanitário, migratório- aduaneiro e atende à logística da importação, exportação, transporte e documentação de cargas e no meio disso tudo também o transporte de passageiros em diferentes categorias inclusive a do turismo. Está tudo planejado?

6) Cachorro atrás do rabo 
Por que o cachorro, em determinado momento, dedica 100% de sua energia a perseguir o seu rabo? É uma situação parecida com o currículo da Tri-Fronteira e há outras (fronteiras)* em situação pior. Os problemas de hoje foram discutidos há anos e as soluções propostas há muito tempo foram abandonados e agora estão sendo apresentadas de novo como soluções. Uma delas é a contratação de terceirizados para agilizar a tramitação de entrada e saída de turistas em Foz do Iguaçu. 

Terceirizados já foram utilizados em uma época em que tudo parecia que iria dar certo. É o que aparece na foto (lá em cima) onde mostra uma fila de carros Peugeot partindo para uma festa oficial de lançamento do veículo em Puerto Iguazu. Lembre-se que os Peugeot são Made in Curitiba. Na época o governo havia acabado de entregar a nova estrutura que incluía um número de cabinas para atender quem deixava o Brasil em direção à Argentina e que entrava no Brasil vindo da Argentina. Ainda dá para ver as luzes vermelhas que indicava que o guichê estava sendo usado. 
O projeto da contratação de terceirizados foi suspenso por motivos de segurança já que os terceirizados teriam acesso à informações sérias e confidenciais. O motivo é que o controle da migração de turistas é fichinha para a polícia federal que tem que ficar de olho na entrada e saída de agentes do crime internacional como "traficantes de pessoas". A proposta agora é trazer terceirizados com a oferta do trade em tentar bancar as despesas e contratação. Esta parceria não é bem vista. Na cama onde os policiais federais deitam, você não goitaria de estar nela por cinco minutos.  
Mas muito antes disso, a estrutura funcionou como uma área integrada onde prevalecia os "ensinamentos" de um documento apelidado de "Protocolo do Recife" cujo nome completo é "Terceiro Protocolo Adicional ao Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do Comércio no 5 (Acordo de Recife), entre os Governos da República Federativa do Brasil, da República Argentina, da República do Paraguai e da República Oriental do Uruguai". 

A principal tese do Protocolo do Recife ou Acordo do Recife se chamava "País Destino País Sede". Por exemplo: O brasileiro que sai de Foz do Iguaçu com destino à Feirinha de Puerto Iguazu não pararia na estrutura da PF, RF em Foz para fazer saída do Brasil. Tanto a saída do Brasil, caso necessária, como a entrada na Argentina seria feita na Aduana do País Destino por funcionários dos dois países que estariam juntos. Por isso integrada. Juntos estariam PFs, agentes da RF juntos com Gendarmes e agentes da AFIP - Administración Federal de Ingresos Públicos. Este negócio não caiu muito no gosto dos funcionários brasileiros mas quem sou eu para julgar? 
Na volta, a entrada no Brasil seria feita na estrutura em Foz com funcionários dois dois países Gendarmes, PFs, Agentes RF e AFIP. Na época, chegava muita reclamação aos meus ouvidos em minha mesa na antiga Gazeta do Iguaçu. Quem reclamava eram  brasileiros que denunciavam que um gendarme argentino o parou e o mandou descer do carro em pleno território brasileiro. Eles geralmente concuiam perguntando: "Virou casa da Mãe Juana? E a soberania?  E assim a busca de soluções para um atendimento rápido volta à estaca zero começando na ponta do rabo de novo. 
 
Alguns fatos para a gente se espertar
Não posso dizer onde li, onde vi, mas já vi uma tese de doutorado registrando uma ideia de Moisés Bertoni para a construção de uma ponte rodo-ferroviária sobre o rio Paraná unindo Paraguai e Brasil. Ou teria sido Argentina e Paraguai? Vamos resgatar esta história?

O império de Percival Farquhart recebeu milhões de hectares de terra extras para a construção de uma ferrovia ligando Guarapuava a Foz do Iguaçu (lembrando que a Foz do Iguaçu de então ia até Guaíra). O projeto não saiu até hoje (a menos que alguém diga que Cascavel era Foz então, na prática a estrada de ferro chegou a Foz.) 
Seja como for, parte da terra foi tomada de volta pelo governo. Parte dela destinada ao Parque Nacional do Iguaçu. Daqui a cinco anos alguém vai ter a ideia de acrescentar um trem unindo o Brasil e Paraguai e alguém pode propor um remendo na Ponte da Integração. O trade turístico tem que abrir os olhos e lembrar que dentro da complexidade de logística da fronteira, a logística turística concentrada no transporte é pequena. Por isso o trade tem que lutar para aumentar seu espaço e fazer sentir (literalmente) seu peso: mais de dois milhões de passageiros transportados. Não esquecer que turismo é exportação. É um produto de exportação que o comprador, compra paga mas não leva.  já li isso de um turismólogo.  
Por fim, lembremos todos que o ministro do turismo acaba de assinar a adesão do Brasil ao Código Internacional para a Proteção de Turistas. Não creio que essa assinatura vá ser levada a sério. A matéria do Ministério do Turismo tem dez linhas. Seja como for proteger o turista é uma responsabilidade. E protegê-lo em todos os sentidos inclusive da chuva, do sol e dos desastres naturais.     

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