quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Não se esconde uma luz no topo da montanha: é o caso da fotógrafa Cecília Miura

Faz dois meses, Cecília Miura, que participava de um workshop de fotografia no Parque Nacional do Iguaçu em Foz do Iguaçu, entrou para a história. Foi quase na categoria "faits divers" - um categoria que não encaixa na lista de nenhuma editoria de jornal, revista ou TV. É uma categoria de curiosidades. 

De longe, Cecília Miura, na passarela do lado brasileiro das Cataratas do Iguaçu,  distinguiu uma colônia de pássaros negros pousados preguiçosamente nas rochas basálticas do segundo andar ou degrau dos saltos. Parece que uma das razões para os pássaros estarem aí, naquelas rochas, é que elas contêm muito poços e buracos que em tempo, meses ou até dias de baixa vazão deve conter carcaças de peixes e outros seres que ficaram presos neles. Para os urubus, os pássaros negros fotografados, isso significa comida.

Daí, depois de clicar a foto, Cecília Miura retornou à vida normal até que finalmente, alguns dias depois, sentou-se em frente de seu computador e fez aquilo que todo fotógrafo faz: rever as fotos, ampliando e destacando algumas áreas. Foi aí que o milagre aconteceu. Na foto apareceu uma onça pintada passeando no território ou ambiente dominado pelos urubus. As fotos e a notícia foram publicadas em todos os sites, revistas, jornais impressos e TVs da região com repercussão nacional. Foi um sucesso. Foi uma curiosidade. Mas ao contrário dos faits divers de vida curta, não posso deixar o acontecimento daquele dia de agosto, morrer em agosto, passar ao esquecimento. Ninguém esconde uma lâmpada no topo de uma montanha.

Deixando prá lá o conceito de faits divers de Roland Barthes e adotando o conceito cristão da Luz no Topo da Montanha, a façanha de Cecília Miura contribuiu para a história, para a ciência, para a biologia e até para as ciências comportamentais. 

Daqui a dez, 20, 30, 40 anos, caso o mundo sofra uma tragédia, as fotos de Cecília Miura serão o canal para provar que existiram onças nos Parques Nacionais do Iguaçu / Iguazú. As fotos ajudarão a convencer crianças descrentes de então sobre como era o mundo no passado assim como hoje, raras fotos dos antigos mostram pessoas pousando para foto com uma onça de pé escorada por pedaços de pau para provar que a caça, um dia, já foi farta. 

Os biólogos, mesmo os que acompanham as onças dos dois parques nacionais. aqui na fronteira, por telemetria, aprenderam com a foto.  Os que se manifestaram nas redes sociais  afirmaram não saber que as onças pudessem transitar naquela área entre o leito do rio e o degrau superior das Cataratas. Como a Kunumi, esse é o nome da onça, chegou ali? Ela estava na beira do rio e subiu, escalou as rochas? Ou estava no passeio superior, desceu a escadaria e nadou a estreita passagem do canal Iguazú, subiu a antiga trilha que levava ao topo da Ilha de San Martín e de lá foi para onde foi flagrada na "meseta" do Salto Rivadavia, logo acima dos Saltos Mosqueteiros? 

Para as ciências comportamentais a grande lição da foto de Cecília Miura é o testemunho de que existe paz entre os animais - o que rareia entre os humanos. A foto não registra uma debandada ou revoada de urubus com medo da onça. Com a exceção de mim (pode rir), não conheço nenhuma pessoa que tenha passado mais de duas horas com uma onça em um recinto (mais ou menos) fechado pensando que a onça era domesticada. Na verdade ela tinha fugido do zoológico particular de um novo rico. Poderíamos ter ficado mais tempo juntos caso, soldados do bombeiro não tivessem chegado gritando e perguntando-avisando: Viu uma onça? Cuidado tem onça solta! Ao que eu respondi que não. Não vi onça nenhuma. E olhando para a onça disse: foge! Humano é besta mesmo!

A foto de Cecília Miura manda uma mensagem importante também para a comunidade xamânica* mundial. As onças estão querendo dizer alguma coisa. Uma imagem de uma onça escalando os paredões das Cataratas do Iguaçu nunca foi feita. Mas não é um  acontecimento isolado no mundo. Há pouco, uma onça pintada foi "flagrada" em vídeo por um turista no Salto Moconá, descendo as quedas do rio Uruguai. O fotógrafo estava no lado brasileiro do Salto que os gaúchos chamam de Yucumã. A onça foi vista descendo suavemente as quedas pelo lado argentino onde as quedas são chamadas de Moconá. Veja o vídeo da onça no Moconã/Yucumã. 

Deste modo, dois meses após a divulgação da notícia, rendo homenagens à Cecília Miura e suas fotos! Ao grupo do workshop e à onça. Aproveito para homenagear a comunidade pan-americana xamânica, da Argentina ao México, que vê a onça pintada como uma divindade, um animal sagrado e de poder e que a cada dia chama a atenção de governos para a sua preservação. 

Daqui a mais de um mês, em 29 de novembro, o Brasil celebrará o Dia Nacional da Onça Pintada segundo a Portaria MMA n° 8 de 16 de outubro de 2018. A data é também o Dia Internacional da Onça Pintada da Argentina até o México. Nesta dimensão biológica a onça representa a luta pela preservação desta espécie no Planeta e pode dizer algo sobre a nossa. Obrigado!  Abaixo mais duas fotos. 

           
Nada de pânico, só um urubu em voo


Dois urubus em voo: estão decolando, fugindo ou aterrissando?


 
Nota dedicada:

Aos xamãs-jaguares e o povo do Jurupari. Para quem não conhece   


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