domingo, 2 de janeiro de 2022

Coloque no seu mapa: a BR-277 mais que uma via para escoamento da produção

Br-277 margeando o Parque Nacional do Iguaçu trecho Céu Azul. À direita, uma cicloestrada que permitirá o cicloturismo e ciclo viagens

 

(MATERIAL LONGO)

A BR-277 é uma cartilha aberta para acompanhar, na prática, como o Paraná foi criado e como o estado avançou do litoral até a beira do rio Paraná em  Foz do Iguaçu. Percorrer a BR-277 pode nos ensinar sobre a genealogia das cidades do estado (que cidade veio antes de quem?), a geologia, a rota das migrações europeias, belezas naturais, história política, clima e cultura. 

A viagem genealógica começa com Paranaguá fundado em 1648. Paranaguá é assim mãe de todas as cidades do Paraná. Utilizando trilhas dos primeiros habitantes da terrinha, especialmente os guarani, começou a subir a serra para a colonização de Curitiba já utilizando trilhas melhoradas como o Caminho do Itupava, trilha empedradada construída a mãos pelos escravizados africanos. 

Pressa na BR-277. A pressa tem causado centenas de acidentes e mortes, na lista, muitos amigos. Por isso, viajar com consciência e conhecendo: o destino é a viagem

Curitiba nasce em 1693. Em seguida vem Castro em 
1778; Ponta Grossa em 1855 e Guarapuava em 1819. Levou 241 anos para que Estado fizesse a viagem de Paranaguá via Morretes até Foz do Iguaçu com a fundação da Colônia Militar em 1889 e  266 até a criação do município de Foz do Iguaçu em 1914 após emancipação de Guarapuava. Hoje, os 736 quilômetros de  Paranaguá a Foz do Iguaçu podem ser feitos em nove horas e trinta e oito minutos. Mas por que a pressa?

A BR-277 obedece o traçado dos antigos guarani (Caminho Peabiru/ Tape Aviru) que por sua vez foi inspirado no trajeto da Via Lactea: do Leste para o Oeste

O propósito desta postagem é mostrar as oportunidades para conhecer cidades, povoados, colônias, cachoeiras, festas, culturas que vivem ao longo da principal rodovia federal do Paraná. Só por diversão, em vez de começar a descrição de uma das extremidades, vamos começar do meio dela. 

Escolhemos o Distrito de Entre Rios parte de Guarapuava onde estão estabelecidas várias colônias alemães. E não é qualquer alemão. É Alemão Suábio do Danúbio! Não confundir com os Alemães do Volga que é um dos grupos alemães que se instalaram em Palmeira, serra abaixo,  nos Campos Gerais. Depois entramos em detalhes sobre o que significa alemão suábio do Danúbio.

Entre Rios, a 18 e tem quem diga 28 quilômetros do centro de Guarapuava, é formada por cinco colônias. Olhe os nomes: Jordãozinho, Socorro, Cachoeira, Vitória e Samambaia. Nenhum nome em alemão. A Colônia Entre Rios foi escolhida para esta postagem graças a um folheto muito bem produzido que garimpei no Festival das Cataratas em novembro (2021) e só descobri ele graças a secretária de turismo de Guarapuava, Katriane Mila. O nome do folheto: Guia do Visitante Colônia Entre Rios, Guarapuava.  

A Colônia tem uma população superior a 8 mil pessoas e tem dois museus. O Museu Histórico de Entre Rios e o Memorial Mathias e Elisabete Leh.  Em suas cerca de 24 páginas o Guia de Entre Rios trás endereços de padarias, pousadas, restaurantes, datas de festas, prestadores de serviços e bicicletaria agência de turismo receptivo e até a localização de pequenos cemitérios das colônias. 

Além de soja e outras culturas do agronegócio, Entre Rios também cultiva cevada e como consequência você pode ver no folheto a indicação de várias cervejarias artesanais: Cervejaria Donau Bier, Cervejaria Huzze Bier, Macgiver Bier, Cervejaria Metzger Bier e Cervejaria Suábia. Quem visitar Entre Rios pode se hospedar em Guarapuava mas o distrito possui hospedagem. O folheto tiro certeiro menciona a Pousada Vollweiter  (fol-vái-ter) na Colônia Cachoeira e a Pousada Schwmlein (Xívm-láin) na Colônia Jordãozinho. Este ano a Colônia Entre Rios está completando 70 anos, com direito a festa no Centro de Eventos com show do cantor Daniel e um dia especial para bandas alemães, uma delas, a Dorfrocker vindo direto da Alemanha. 

Suábios do Danúbio (Donauschwaben)

Os Suábios do Danúbio eram povos alemães (germânicos) que habitavam o leste europeu como Croácia, Sérvia e Hungria. E por que eles estavam lá? Graças às Guerras. O Reino Alemão havia conquistado essas terras e em alguma ocasião incentivou que diferentes grupos alemães se mudassem para lá como colonos. Após a II Guerra Mundial, com a derrota da Alemanha, e retomada das terras e expulsões, parte desses alemães regressaram para a Alemanha e para a Áustria. O povo de Entre Rios era parte de um grupo de refugiados que estava na Áustria, Cerca de 500 famílias foram ajudadas por uma uma entidade oficial de ajuda do Governo Suíço (Schweitzer Europahilfe) para que emigrassem para o Brasil. A entidade suíça comprou as terras para a colonização em Guarapuava.

Ainda nos primeiros anos de estarem na nova terra, foi fundada uma cooperativa que teve como primeiro presidente um suíço a serviço da entidade suíça mencionada acima que por coincidência não era suíço-alemão, senão, franco-suíço. O nome dele era René Bertholet de Geneva. Ele participou no projeto desde o começo. 

René Bertholet era um ser especial. Foi preso pela gestapo alemã na Alemanha onde passou três anos na cadeia por ajudar na resistência contra a aventura governamental de Hitler. Bertholet era socialista de carteirinha. 

Como suíço soube aproveitar daquela coisa especial que as entidades suíças possuem graças à neutralidade respeitada por todos que o país ostenta. Depois da cadeia nazista, Bertholet partiu para ajudar na resistência francesa e terminou no Brasil onde além de fundar a cooperativa de Entre Rios (1950), chegou a trabalhar para o Governi Brasileiro e fundou a Cooperativa Pindorama em Coruripe, Alagoas (1955). A Colônia Pindorama mantém um museu para cultivar a memoria de Bertholet que morreu no dia 1º de maio de 1969 (saiba mais da história dele em Alagoas).

 Secretária de Turismo e eventos de Guarapuava, Katriane Mila com poster gigante do Salto São Francisco

Mais interior de Guarapuava

Ainda no material de Guarapuava e com a atenção voltada para o interior do município destaco a existência da Associação de Turismo Rural que gerencia o Caminho de São Francisco da Esperança,  a rota que leva ao Salto São Francisco com mais de 190 metros de altura e que ostenta a fama de ser o salto mais alto do Sul do Brasil. A maioria das pessoas que visitaram o salto, o fizeram via Prudentópolis, município onde se destacam os ucranianos e ostenta o título de ser a Terra das Cachoeiras Gigantes. Um terceiro município compartilha o Salto São João, trata-se de Turvo, que é oficialmente reconhecido como a Capital Paranaense do Pinheiro do Paraná.   

Salto São Francisco

Viajar a BR-277 é basicamente uma questão de subir e descer todo o trajeto. Parece até que em todo o trajeto os planaltos sobem descendo. Quem parte de Curitiba a 935 metros sobre o nível do mar (msnm) com destino a Foz do Iguaçu verá isso muito bem. Ponta Grossa está adiante, à direita, na altitude 975 msnm, Prudentópolis aguarda na faixa dos 840 msnm, baixou um pouco para tomar fôlego e em seguida vem Guarapuava com 1.120 msnm. Prudentópolis e Guarapuava são vizinhas e este desnível explica o grande número de cachoeiras. Prudentópolis e Guarapuava estão no terceiro, dos três planaltos paranaenses. O Segundo Planalto é o Planalto de Ponta Grossa. Curitiba está no Primeiro Planalto. 

Litoral, Serra do Mar e os três planaltos do Paraná (Reprodução)

 

Na subida do segundo para o terceiro planalto, a serra apresenta curvas, às vezes fechadas e algumas pontes, verdadeiras obras de arte. Em uma dessas dá para ver uma cachoeira que cai ao lado da ponte e passa por baixo dela. A viagem é também geológica. A Serra  nos dois lados da BR-277 são parte da reserva que está se estrurando para ser o Parque Estadual Serra da Esperança. 

Entre Gurapuava e Foz do Iguaçu 
Imagens da BR-277 na Serra da Esperança por ionde passam milhares de carros por dia com muita pressa. Ver vídeo (Sky Drone Foz)


Se o sentido de sua viagem for Foz do Iguaçu, de repente você se sinta bem em saber que geologicamente falando você já está em casa. Todo o terceiro planalto esta situado na Província Magmática do Paraná. Esse Paraná não quer dizer o Estado, mas sim a bacia do Rio Paraná. É possivel ainda acrescentar a palavra Etendeka: Província Magmática do Paraná-Etendeka. Etendeka é a parte da terra, digamos "americana" que foi parar na África depois que América do Sul e África se separaram e o Oceano Atlântico foi "aberto". 

Foz do Iguaçu está a 405 quilômetros da Colônia Entre Rios, lá no finalzinho do planalto. Assim o endereço completo de Foz do Iguaçu pode ser: Foz do Iguaçu, Extremo Oeste da Borda do Terceiro Planalto Paranaense na Província Magmática do Paraná-Etendeka, Formação Serra Geral. Da BR-277 dá para ver e há um mirante que permite apreciar o Morro do chapéu (Morungava). Os cientistas o chamam de Morro Testemunho porque ele é testemunha do processo vulcanológico, magmático de fissuras que dominou todo o terceito planalto nesta área de contato com a história dos campos gerais e suas escarpas.     

Entre Guarapuava e Foz do Iguaçu

Chamamos a atenção para um grupo muito interesante de cidades na área de influência de Guarapuava muito ligadas à história de Foz do Iguaçu: Virmond (89 km), Laranjeiras do Sul (113 km) e Nova Laranjeiras (129 km). Todos esses municípios foram desmembrados de Guarapuava;

Vale a pena para quem passe por Laranjeiras do Sul, entrar na cidade e visitar a sede da Câmara Municipal. A sugestão é para quem tem interesse em história e para quem mora em Foz do Iguaçu com interesse em história ou não. O atual prédio da Câmara foi o Palácio do Governo do Território Federal do Iguaçu criado por Getulio Vargas em 1943. Despacaharam nesse território Federal de curta existência dois governadores militares: João Garcez do Nascimento e Frederico Trotta. 

Cinco municípios: divisão político administrativa do Território Federal do Iguaçu. Do livro "Território Federal do Iguaçu, Perspectivas para o Desenvolvimento Regional" do professor Arno Bento Mussoi (2015) 

Segundo o decreto, a capital do território arrancado do Paraná  e Santa Catarina seria a cidade do mesmo nome e como na região não havia cidade chamada Iguaçu com a exceção de Foz do Iguaçu, os iguaçuenses foram às ruas felizes comemorar. Mas depois de artimanhas e reviravoltas, o governo mudou o nome de Laranjeiras do Sul para Iguaçu. Pronto resolvido!

Mas havia um problema: Laranjeiras na época não estava (ainda não está) no Oeste do Paraná. Daí, solução: foi colocada no Oeste depois de uma mudança nos limites do território. Além de conhecer o prédio do antigo palácio do Governo do Território,vale a pena ver a Praça Governador Garcez com a imagem do Cristo Redentor trazida à cidade pelo governador. Outras atrações incluem ainda a Praça do Santuário Nossa Senhora Aparecida e a Praça Monsehor Guilherme Maria. Sim o mesmo de Foz do Iguaçu, o mesmo de Cascavel e o mesmo de Toledo. 

Mas muito antes do território ser criado, Foz do Iguaçu levou um gol de Laranjeiras do Sul. Foi quando a sede da primeira Prelazia de Foz do Iguaçu foi mudada de Foz do Iguaçu para Laranjeiras pelo prelado Monsenhor Guilherme. O motivo apresentado para as mudanças foi a imensa distância entre Guarapuava e Foz do Iguaçu.    

E Virmond? 

É outra cidade fora dos mapas dos viajantes da BR-277.  A cidade é de colonização polonesa.  Era parte da Prelazia de Foz do Iguaçu e foi atendida pelo padre Monsenhor Guilherme. Em 2021, a cidade celebrou os 100 anos de colonização polonesa sem muita festa por causa da pandemia. Em 1923 com a morte do cientista polonês Tadeusz Chrostowski, vítima da malária, que dirigia uma expedição ornitológica no Paraná, os sobreviventes, também poloneses, procuraram apoio e tratamento em Virmond onde já morava o médico e naturalista polonês Jozef Czaski.          


 

A última colina do Terceiro Planalto Paranense vista por quem faz o trecho Curitiba - Guarapuava - Foz. Ou a primeira para quem faz o sentido contrário. À direita se vê o pórtico de entrada para o Distrito Aurora do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu. O distrito tem uma Oktoberfest.

Quanto mais se viaja ao Oeste, mais se perde altitude. À frente na BR-277 estão Cascavel aninhada nos 781 metros sobre o nível do mar. Matelândia, 525 msnm. Logo aparecem caindo de altitude Medianeira, com 402 metros msnm e São Miguel do Iguaçu com 312 metros de altitude. É em São Miguel do Iguaçu que o viajante rumo a Foz do Iguaçu vai ver morros pela última vez. Olhando pelo retrovisor se vê um morro que tem uma placa da Havan e quase coladinho ao morro está Alvorada do Iguaçu, distrito de São Miguel do Iguaçu. Santa Terezinha de Itaipu aparece do alto de seus 284 metros sobre o nível do mar para chegar em Foz do Iguaçu com seus 164 metros sobre o nível do mar. Foz é o lugar de menor altitude desta rota. Daí, você pode não precisar perguntar: por que Foz é tão quente? (Nota: a partir de Foz do Iguaçu, por meio da Ponte da Amizade, o o conceito da BR-277 continua no Paraguai com o mesmo traçado ou seja o mais reto possível para a beira do rio Paraguai em Assunção por meio da Ruta Nacional 2. Este assunto está pautado para as postagens do lema: "Coloque no seu mapa").  

De Guarapuava para o Segundo e Primeiro Planaltos ou traduzindo: De Guarapuava sentido Campos Gerais e Curitiba

A missão da BR-277 é levar o viajante o mais direto e rápido possível a Curitiba ou ao Porto de Paranaguá. Por isso, para chegar a grandes destinos dos Campos Gerais como Ponta Grossa, o Parque Estadual de Vila Velha, Castro e Tibagi e atrações como o Parque do Guartelá, será necessário sair da BR-277. A BR vai levar a Irati, Palmeira e Curitiba. 

Direto ao assunto: entre em Palmeira! Cidade velha, para os padrões paranaenses, tem a mesma idade de Guarapuava (202 anos), quem a visita vai escutar falar de tropeiros, pouso de tropas, colonização alemã, anarquismo e  Alemães do Volga. Volga é um rio que fica na Rússia. Em épocas segudo diversas viradas e reviravoltas, foi incetivada a ida de alemães para ocupar terras na Rússia. Já no século 20 com a revolução que derrubou o Império Russo e o surgimento do governo comunista, muita gente escapou. Em Palmeira fica a Colônia Witmarsum onde você pode visitar o Heimat Museum para aprender sobre a história dos alemães do volga, como formaram uma cooperativa e produção atual, você pode misturar história com gastronomia nos cafès coloniais no sentido de  produtos da roça (colônia) geléias, pães, pão no bafo, küche (cucas). Palmeira tem uma história rica ligada a imigração de diferentes grupos.

Conheça o Memorial Santa Cecília

Santa Cecília foi uma colônia anarquista estabeleida em Palmeira pelo italiano Giovanni Rossi. Como você sabe, anarquista não quer dizer arroaceiro, mas sim fala de um projeto de autordeterminação com dignidade e justiça para todos. Não eram raras as tentativas de colonização por anarquistas e defensores do anarquismo em diferentes países. 

Um bom exemplo e que pode ser checado por moradores das Três Fronteiras  é o do cientista, estudioso, naturalista, escritor  Moisés Bertoni que conseguiu em parte sucesso na instalação de sua colônia modelo. Recentemente foi criado um Memorial da Colônia Santa Cecília em Palmeira. O Memorial Anarquista da Colônia Cecília, na Praça Memorial da Colônia Cecília no Brasil fica na localidade de Santa Bárbara na área rural de Palmeira. 

Celulite na Natureza?

Em vez de celulite o nome usado é "estria". Como viajar o Paraná a partir do entendimento dos planaltos é um convite a entender a geologia do Planeta, a Colônia Witmarsum tem uma coisa muito importante para oferecer. Se chama: Estrias Glaciais de Witmarsum. A estria são "arranhões" feitos pela passagem de geleiras há 300 milhões de anos quando Witmarsum ficava próxima à Antártida. Na época, América do Sul, África, Oceania e Índia eram parte de um grande continente chamado de Gondwana. Vale ouro este lugar. Você vai conhecer um amante da geologia quando você detectar alguém de quatro ao lado da estria, com ar meditativo e meio de boca aberta. 

A rocha na qual estão impressas estas estrias, é um arenito formado pela compactação e endurecimento de camadas sucessivas de areia. Essas rochas  são agrupadas no Grupo Itararé, da Bacia do Paraná e são parentes dos arenitos de Vila Velha e da Gruta do Monge na Lapa. A estria de Witmarsum Patrimônio do Paraná sob a responsabilidade da Coordenação do Patrimônio Cultural
inscrito no Livro do Tombo do estado. 

Escarpa Devoniana

Na subida do primeiro Planalto do Paraná para o Segundo Planalto, o que domina a paisagem é a Escarpa Devoniana. Se a sua viagem ou mini expedição quiser captar grandes imagens do mundo natural, aponte sua atenção para São Luiz do Purunã que pertence ao Município de Balsa Nova na Região Metropolitana de Curitiba. Esta é uma região muito interessante, por quê? Porque em Balsa nova dá para ver claramente como o rio Iguaçu, um rio que nasce no Primeiro Planalto,   enfrentou as serras, escavando seu próprio caminho. Mas se não quiser ir tão longe, procure o Mirante do São Luiz do Paranã. 

 


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