quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Dia da Consciência Negra - O racismo no Brasil visto pela minha experiência (porque pela sua, não posso falar)


 
Uma carroça polaca . Razão do atraso das estradas paranaenses  (Fonte da Foto

Nasci a uma hora de União dos Palmares, terra onde o Zumbi morreu, no Quilombo dos Palmares. Por que você acha que o primeiro aeroporto que eu vi, o de minha cidade, se chama Palmares? Cresci pensando que era “moreno claro” me identificando e pensando que era branco, pelo menos mais branco que os vizinhos que moravam a umas cinco casas da minha. Quando eu digo branco não era alagoano branco, falo de branco branco como os Thompsons, Nichols, Waynes, Andersens, Mendelsohns, Goslins, Klingensmiths, os Malaspinas, os Kenengendorfs  e outros que moravam no Nordeste.  O meu referencial era branco.  


Há uns dez anos fui tirar carteira de motorista. Fui à autoescola. A moça me explicou tudo. Quando estava na hora de dar a entrada, a moça olhou para mim e disse: mas antes eu quero avisar uma coisa. O senhor vai ter que pelo menos saber assinar o nome e ler palavras simples como “Pare!”. O senhor assina o nome? 



Que cafonice! Pensei, Assinar o nome. Isso é coisa que eu ouvia os antigos dizerem quando eu era criança e olha que faz tempo.  Antes dela me mandar assinar o nome, eu disse que ia pensar e voltaria depois. Nunca voltei e ainda não tenho carteira de motorista. 


Meus amigos dizem, “eu não engoliria calado. Você é jornalista, eu perguntaria assinar em que língua? Já vou dizendo em Chinês e Sânscrito não sei mas se for em russo, grego, japonês e outras linguinhas eu assino". Ha ha ha ha!

Assinatura é coisa séria para mim. Meu pai tinha uma assinatura de ouro só perdia para a assinatura de minha tia que era mocinha quando a princesa assinou o decreto um ano antes da família ser expulsa da propriedade pelos "coxinhas da época". Passei anos treinando o “J” de “Jackson” que começa alto e voa sobre o nome inteiro.


Mas e daí porque a moça da autoescola me espantou? Ela era racista? Ela pode pessoalmente não gostar de negro, pra casar, namorar. Apesar de jovem ela tinha limitações, diria. Visão de mundo muito pequena. Alguém de cor escura, com mais de 50 anos, que não tem carteira, que traja uma roupa simples, com tendência a ser quieto, o que seria? Boia fria? É do norte veio trabalhar no café, hoje deve estar buscando vaga para colher maçã em Santa Catarina.  


Esses dias no Facebook alguém falou do Dia da Consciência Negra e muita gente teceu comentários sobre o Dia, a memória, a escravidão. Uma senhora escreveu:  Cadê o Dia da Consciência Polaca? E lembrou que quando era criança e quando caminhava pelas ruas de sua cidade ela escutava xingamentos do tipo, polaca aguada, polaca sem graça e outros. Eu diria à senhora que se considere feliz porque esses insultos vinham de baixo. Quem eram eles? Bando de “ninguéns”.


Mas e o que dizer quando os insultos vêm de cima? Quer dizer quando quem insulta tem poder ou seja o insulto é oficial e quando quem o faz acha que é patriota, está enrolado numa bandeira brasileira, ou vestindo um uniforme militar, policial ou de grupo patriótico tipo os integralistas? Aí dói. Dói muito. Dói muito mais. 

A mulher polaca, ainda pensando na senhora de descendência polonesa citada, era alvo oficial dos nacionalistas, patrióticos, doentes dos anos 30. Em texto de 1939, do tenente nordestino Hugo Bethlem, que acompanhou a jornada civilizadora nacionalista do General Meira de Vasconcellos no Paraná e Santa Catarina, a mulher polonesa aparece como ignorante, feudal e inconsciente. Ou seja atrasada. Ela era responsável por manter dentro de casa o uso da língua (polska) alienígena. Destaquei em uma matéria que fiz para a revista 100 Fronteiras, que até a carroça polaca era alvo de acusações que pediam intervenções militares. Diz Bethlem, sobre o meio de transporte dos poloneses: 

“A carroça polaca, brutalmente pesada, é que é a verdadeira responsável pelo estrago permanente destas estradas de piso de terra e com pouca ou nenhuma conservação.”         
  

Nesse Brasil de racismo todo mundo sofreu: japoneses, chineses nem falar, italianos, alemães (vixi), ucranianos, árabes, todos. E todos esses que citei tiveram alguma participação na miserabilização da vida dos índios. No Sul havia esquadrão de bugres para caçar e matar índios para limpar (desinfetar) as terras para entrega às colonizadoras. Hoje na sociedade brasileira  o índio “goza” da mais baixa categoria da sociedade, abaixo dos negros.

Ao contrário dos negros, não sei se você já notou isso, índio não consegue emprego. Não há emprego para índio. A renda do índio é invisível. Ele tem que viver do artesanato que pouca gente compra até porque não precisa.


E o negro? O que eu sinto sobre o negro? O que aconteceu com os negros em relação à escravização, é muito ruim para o currículo cármico (kármico) da humanidade. 

Escravidão tratou-se de trabalho gratuito. O negro trabalhou gratuitamente por mais de 400 anos. Desculpe-me dizer mas vejo aí um Arranjo Produtivo da Picaretagem (APP) da civilização cristã europeia. O branco da APP nunca pensou, em seu cérebro de pensamento primitivo em remunerar o trabalho negro após o fim da escravidão. Pelo contrário, no caso do Brasil,  queria indenização do governo pelos escravos que deixavam de trabalhar. Trabalho remunerado era para europeus e qualquer outro trabalhador de fora. A lógica continua hoje.     


Por isso, na época, a substituição do trabalho escravo por trabalho de imigrantes italianos, japoneses e alemães entre outros. A ideia das lideranças dos APPs era pagar o mínimo aos imigrantes, mantendo-os em níveis tão baixos quanto possíveis. Para os índios e os negros nada de salário, nada de terras, nada de escolas. 

O que quero dizer, resumindo, é que compreendo a senhora que perguntou “E o dia da Consciência Polaca?”. Ela está certa. Mereceríamos um Dia da Consciência para cada nacionalidade que veio ao Brasil, já que com poucas exceções todos sofreram e algumas nacionalidades ainda sofrem junto com  algumas formas de espiritualidade como a afro-brasileira e a islâmica. Em foco estão os novos imigrantes que estão desembarcando do Haiti, Angola, Guiné Bissau e injetando melanina nas cidades brasileiras e aumentando os contrastes do que a gente chama de diversidade – Marca Registrada "®" de Deus no Planeta.

Os senhores que me perdoem, eu não falo de racismo em termos de “cor” da pele. Não existe “cor da pele”, existe diferentes níveis de “sintetização da melanina” parte de um processo complexo para proteger a pele contra os raios ultravioletas. Por isso a "exteriorização da melanina" é maior na África e menor na Finlândia. 

Hoje por causa das navegações e “decobrimentos” depois de 1492 nos encontramos todos juntos: alemães (Pomerode, Blumenau, Guarapuava) índios, negros, finlandeses (Penedo, RJ), austríacos (Treze Tílias, SC), ucranianos (Prudentópolis PR), poloneses, japoneses todos recebendo a mesma carga de raios ultravioletas e nos protegendo como podemos (protetor solar).

Não vejo nada errado nesse mecanismo fantástico da Natureza, a diversidade "melanínica". O que eu vejo como urgentemente necessário é desenvolvermos a ideia de que todo dia é o Dia da Consciência Humana. Consciência negra é estar ciente e informado de sua história como negro, como você chegou aqui, o que sofreu, que você é humano embora alguns tenham, com base em falsas interpretações da Bíblia tanto de católicos como de protestantes no sentido de que, na santa ignorância deles, o negro não era gente, era um animal, não era filho de Deus. 

Repito na santa ignorância dele. Falam de Consciência Evangélica, Consciência Cristã, por exemplo. Mas isso não significa nada. Acima de tudo Consciência Evangélica, para ilustrar, deveria limitar-se ao estar ciente de que evangélico de verdade se guia unicamente pelos quatro evangelhos e nada mais. E muito menos guiar-se pelas ideias de evangelho do Partido Republicano. É estar consciente de que os quatro evangelhos se resumem a quatro letras: AMOR. Precisamos saber o que é, o que significa ser humano. O que somos e por que fazemos o que fazemos.

Nenhum comentário: