Abrão Assad e Jaime Lerner: Assad, árabe. Lerner, judeu. Um, o papel. O outro a caneta. Uma parceria quase que irrepetível (Foto Gilberto Pires, 1973. Arquivo Gazeta do Povo) |
O Jardim Botânico Francisca Maria Garfunkel Rischbieter de Curitiba ganhou o primeiro lugar na lista de Maravilhas do Brasil em uma iniciativa do site Mapa Mundi levada a cabo em 2008. As outras maravilhas brasileiras escolhidas na época são: o Teatro Amazonas em Manaus, a Catedral Metropolitana de Brasília, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o Forte dos Reis Magos em Natal, a Ladeira do Pelourinho em Salvador e o MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Francisca Rischbieter foi parte da equipe de urbanistas que criou a Curitiba que conhecemos e gostamos.
O Joardim Botânico continua bonito e é definitivamente uma das atrações de Curitiba. Quem visita o privilegiado local paranaense pode receber duas informações contraditórias. A primeira diz que o Jardim foi "criado à imagem dos jardins franceses". A outra afirma que a conhecida estufa foi inspirada no "Palácio de Cristal de Londres".
É balela, diz Assad
O homem que desenhou o jardim, a estufa e toda a estrutura do Complexo do Jardim Botânico diz que essas informações são: balela. Estamos falando de Abrão Assad, arquiteto que se não existisse, as obras do também grande arquiteto Jaime Lerner não teriam dado celebridade à capital paranaense. Foi um casamento perfeito. Lerner dizia o que pensava e Assad colocava no papel. Finalmente, Lerner assinava os cheques das obras e se virava com os burocratas. Um dos motivos da parceria de sucesso era uma espécie de segredo do negócio: " A chance de poder fazer, e o quê, e como fazer… e rápido fez, sim, toda a diferença; e era o que nos movia! Jaime sempre dizia: é preciso fazer acontecer", como lembrou a Gazeta do Povo em homenagem póstuma a Jaime Lerner.
Em uma rara reportagem aprofundada sobre Assad, no programa Meu Paraná após a morte de Jaime Lerner este ano, o arquiteto acabou com a desinformação generalizada. O repórter que fez a entrevista foi Bruno Favaro da RPC Paraná.
Vista das Cúpulas, arcos e curvas da estufa durante trabalho de restauração em outubro de 2019. "Uma coisa quase atávica" |
Assad esclareceu que a inspiração para a estufa não tem nada de palácio de vidro da Inglaterra ou de qualquer outro lugar da Europa. A inspiração da estufa é árabe. Quando estava desenhando nem ele pensou nisso. Eu sou árabe, a inspiração, disse, foi quase atávica (genética, estava nas veias). Basta buscar no google imagens da Cúpula da Rocha para ver parte da "inspiração atávica" da abóboda, curvas e arcos da estufa do Jardim Botânico de Curiitba.
E os jardins do jardim Botânico? Nada impede que Lerner tenha pensado em um jardim francês. Mas, Abrão Assad revelou, e para mim essa foi a grande tacada, que os jardins se inspiraram na Bandeira de Curitiba que é um retângulo dividido em oito partes por triângulos de lados iguais. No jardim de Assad, do alto, ele colocou no chão seis bandeiras de Curitiba, três de cada lado. O que falta é a linha vertical do eixo norte-sul da bandeira.
Está vendo as seis bandeiras de Curitiba? O que falta é a linha vertical do eixo norte-sul da bandeira. |
Fica muito mais bonito explicar o atrativo turístico mais famoso de Curitiba utilizando a informação do arquiteto. A lição que o Brasil pode derivar disso é imensa. Quantas cidades do Brasil podem bater no peito e dizer que alguma grande obra de valor artístico, cultural e turístico local foi inspirada na bandeira do município?
Outro fato que se destaca na dupla criativa Assad-Lerner é a origem étnica dessa dupla. Em São Paulo, por exemplo, a comunidade árabe criou o Hospital Sírio-Libanês. A comunidade judaica criou o Hospital israelita Albert Einstein. O espaço no meio foi preenchido pela Universidade de São Paulo com o Hospital das Clínicas, público e estadual. No modelo paranaense, o Sírio-Libanês foi representado pelo arquiteto Abrão Assad e a parte israelita pelo arquiteto Jaime Lerner. Diz muito sobre esta característica do Paraná misturar nacionalidades especialmente em Curitiba.
Outra lição importante que destaco neste texto é a capacidade de Curitiba dar continuidade. Conheço municípios onde, caso o Jardim Botânico fosse localizado neles, já teriam demitido o jardineiro ou extinto o departamento de jardinagem. Todo o pacote de obras que Lerner realizou com Abrão Assad permanece em uso e mantém a continuidade. É hora de lembrar que a equipe de Lerner teve outros arquitetos que assinaram obras. Quando voltar,falaremos sobre Domingos Bonsgstabs autor do projeto Ópera de Arame e da Universidade do Meio Ambiente entre outros. Por enquanto deixo o link para este outro material sobre Curitiba