terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Fique de olho nas placas - esta por exemplo é um tesouro e uma viagem no tempo

 

Placa de bronze oficial do Hito ou Marco das Três Fronteiras no lado paraguaio da RE-TRI. Clique na foto para ampliar. Foto cortesia de Valmor Sparrenberger, guia de turismo em Foz do Iguaçu 

Homenaje de la Asociación Paraguaya de Caminos
Al Pueblo Paraguayo en el Sesquicentenario de la Independencia Nacional

Consejo Directivo
Presidente D. Adolfo P. Monges
Vice pte. D. Carlos A. Robbiani

Miembros 
D. Eduardo C. Vallejos
D.Rolf Rieder
Ing. D. Marcos A. Perera
Ing. D. Albino Mernes
D.Fernando M.J.Cerezo
D.Wilfred W. Sill
D. Oscar S. Netto

Proyecto Construcción
Juan B. Britez Caballero
Ingeniero Civil

Diciembre 30/1931

A placa aparece como uma pequena mancha e não é vista pela maioria dos visitantes. Consegue ver? 

Os marcos da fronteira em Foz do Iguaçu e Puerto Iguazu são marcos principais oficiais de demarcação de fronteira e fazem parte de uma série de marcos iguaizinhos que começam na boca do rio Peperi-Guaçu (peperiguazu) no rio  Rio Uruguai e vem até a boca ou foz do rio Iguaçu na junção trinacional que conhecemos como Três Fronteiras.
  
Todos esses marcos são da mesma família porque estão ligados ao mesmo conflito resolvido de maneira pacífica entre Brasil e Argentina . Não vou entrar em detalhes sobre o conflito. Todos os marcos desta família são de formato piramidal. 

O marco ou hito paraguaio, como se vê na foto acima não é piramidal. Por quê? A resposta é simples: não é da mesma famíçia. Não é parte da memória do conflito Brasil / Argentina. 
Em sentido estrito da palavra, o marco paraguaio na fronteira não é um marco oficial de demarcação da fronteira Brasil / Paraguai como os outros 912 marcos erigidos na fronteira ao longo da fronteira seca BR;PY e em locais específicos no rio Paraguai. Em outras palavras o marco paraguaio nas Tres Fronteiras não foi feito pela comissão demarcadora e por isso controlado pelo Ministério Relações Exteriores. 
Mas quem erigiu este marco tão especial?  A resposta está na placa de bronze que abre esta postagem. Foi a Associação Paraguaia de Caminhos, uma organização de engenheiros que sonhava en ver o Paraguai com boas estradas. O monumento foi erigido como uma homenagem ao Povo Paraguaio no aniversários dos 150 anos do País. O projeto foi assinado pelo engenheiro civil Juan B. Britez Caballero.

A Associação Paraguaia de Caminhos deixou de existir após a construção da Ponte da Amizade e as Rutas (rodovias) que começaram a cortar o país. Falei com parentes do engenheiro Juan B. Britez Caballero que me contaram que o autor do projeto já faleceu há tempo. A história diferente do Marco Paraguaio só aumenta o valor diferenciado dele entre os atrativos e monumentos da fronteira e cobra continuidade das pesquisas sobre os marcos e monumentos da fronteira e de fronteira.

A imagem abaixo é de uma publicação de novembro de 2022 onde peço aos visitantes doMarco das Três Fronteiras em Franco que fotografem a placa e compartilhe comigo. Um ano e um mês depois o colega Valmor Sparrenberger me compartilhou a foto. Obrigado Valmor! 

Publicação repercutida por @Claudio Calderón

domingo, 10 de dezembro de 2023

Vamos entender o que é Guiana antes de tomar partido nessa guerra do petróleo

Plateau, Planalto, Maciço, Escudo, Highlands (Terras Altas) da Guiana: são alguns dos nomes utilizados para uma área geológica compartilhada pela Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Brasil (AM, RR e AP)


Entre um "escudo" e outro uma "bacia sedimentar"

É muito difícil escrever sobre algumas áreas de fronteira, especialmente quando essa área de fronteira é  também parte de uma região natural como por exemplo: Patagônia, Orinoquia, Amazônia, Pantanal ou quando a região é herderira de algo histórico compartilhado como "Região Missioneira", ou antigas nomes como Guairá, Itati e Tape. 

O que esses lugares têm em comum é que eles são compartilhados por vários países. A Amazônia é compartlhada por nove países, a Patagônia por dois, a Orinoquia por dois, o Pantanal por três. 

Uma outra dessas regiões se chama Guiana compartilhada por seis países (ver mapa acima).  

Guiana é um nome dado a uma região que foi dividida entre cinco antigas potências: britânicos, holandeses, portugueses, espanhois e ainda tiveram penetras como os suecos na Região Barima-Waini (ver mapas no final)ou Região 1 antes das independências. Mas qual é a característica principal do ambiente chamado guiana? 

São várias.  Entre elas grandes montanhas e elevações que nascem no meio de uma florestas extensa. E essas montanhas são granses fontes de águas. A irresposnabilidade e arrogância dos europeeus é tão grande que ainda hoje as enciclopédias dizem frases como: em línguas indígenas "guiana" significa Terra das Muitas Águas. Mas que negócio é esse de línguas indígenas? Qual é a língua? Nas buscas que ando fazendo para escrever este texto só uma fonte sugere que a língua é o pemón. Mas até hoje não vi ninguém dividir a palavra em pedaços e dizer onde em Guiana estão as partes que significam "terra", "muitas" e "águas".  

De qualquer forma Terra das Muitas Águas é parte da cultura que adotei. Por isso em Foz do Iguaçu meu livro "Na Terra das Muitas Águas" publicado em Foz roubava o termo da Guiana. Mas não era mentira por que Foz do Iguaçu e região trinacional é terra de muitas formas ou de águas em formatos variados: cataratas gigantescas e marvilhosos, dezenas de mini cahoeiras, olhos d'água, córregos e nos lados do Paraguai e Argentina o festival de saltos continuam. Então é uma Terra de Muitas Águas.  Mas voltando ao entendimento de Guiana o que é a Guiana natural? O que a região da Guiana tem e onde começa. 

Este é o Escudo da Guiana no Parque Estadual da Serra do Aracá onde está a cachoeira mais alta do Brasil. 

Quero que voce se veja em Manaus. Lá dois rios se encontram. Se você segue o Rio Solimões (que para mim já é outro caso de confusão de nome), você estará em uma planície (sedimentar) de pouca altura, sem rochas e pedras, a tal ponto que uma das queixas de antigos boletins de ocorrências policiais era roubo de pedra para amolar faca. Isso vai de Manaus até Tabatinga e daí entra no Peru e na Colômbia. 

Agora se em vez de subir o Solimões você sobe o Rio Negro, aí logo você vai se encontar em terra de rocha, rochedos e pedras. Subindo o rio Negro, o horizonte do seu lado direito terá montanhas à vista. Na realidade é um paredão que os geógrafos chamam de escudo. Escudo da Guiana. 

Um bom lugar para começar a ver isso é Barcelos que servirá de ponto de partida para uma expedição ao Parque Estadual da Serra do Aracá onde, na borda do escudo Guianês despenca a cachoeira mais alta do Brasil, o Salto Eldorado com 350 metros de altura. Cachoeiras altas não faltam no escudo guianês. Destaco os Saltos Kaiateur na Guiana com 226 metros e o Salto Angel na Venezuela com 979 metros de altura, o mais alto do mundo.  

 

Paisagem publicada por Mike Millie do "Escudo Guianês" dentro da área que a Guiana chama de Essequipo e a Venezuela chama de Guiana Essequiba
             

Monte Roraima Brasil, Guiana e Venezuela se encontram aqui. Área de influência do povo Pemón

    Outra palavra que aparece muito nas partes brasileira, venezuelana e guianesa do Escudo Natural  é Roraima. No Brasil é um estado. Antes foi um território. Roraima também é o nome de uma montanha. Mas Roraima pode ser o nome de tudo desde sorveteria até linhas aéreas. Neste caso, o guianês pode nem saber que Roraima é um estado no Brasil embora saiba o que é Boa Vista.  É muito provável que a palavra Roraima venha da língua Pemón. Ao falar em pemón, preciso fazer uma homenagem a uma Pedra de alto valor ancestral e espiritual chamada Kueka. Ela é considerada a Avó (abuela) de todo o povo pemón na Venezuela. 


Cerimônia de recepção da Pedra Avó (FONTE)

Esta pedra foi levada para a Alemanha em 1998 e exposta no Parque Tiergarten de Berlim  como parte de uma coleção de pedras de todo o mundo idealizada pelo artista plástico alemão Wolfang von Schwarzenfeld. sob o nome de Global Stone na intenção de promover a Paz Mundial.  

A pedra havia sido doada pelo governo venezuelano de turno como uma contribuição venezuelana ao projeto alemão sem a devida consulta ao povo que venerava essa pedra e cuja ausência significava miséria e dificuldades para esse povo. 

O povo pemón começou a pressionar e exigir a devolução da pedra. O conflito envolveu os governos da Venezuela e da Alemanha. Depois de uma longa batalha que envolveu toda a comunidade pemón, o patrimonio cultural, artistas, diplomatas, a Pedra chegou de volta à Venezuela no dia 17 de abril de 2020. 

Vou concluir com duas outras palavras para ajudar a entender o universo daquela Guiana Natural de rochas, água, núvens, rios, cachoeiras e rochas. As duas palavras são: Makunaíma e Macuxi. Macuxi é um povo da região. São maioria na Roraima brasileira com presença também na Guiana e Venezuela. Um dia um jovem pemón se apaixonou por uma linda moça macuxi. Macunaíma, o Deus (já ouviu a palavra) não gostou da ideia. "Pemón deve casar com pemón e macuxi com macuxi", era a ordem. Como o amor foi mais forte o casal fugiu. Makunaíma foi atrás.  Encontrou os dois, amaldiçoou e o os transformou em uma pedra conhecida hoje como Kueka, a avó de todos e pemóns e meio parente dos macuxi também (mas isso quem está dizendo sou eu).

Roraima Airways tem voo para toda a Guiana; Voa para cidades brasileiras como: Boa Vista, Bonfim e Normandia

     
Montanhas Tumucumaque / Tumuc Humac

 No extremo leste do Escudo Guianês natural se encontram as Montahas do Tumucumaque ou Tumuc Humac para os franceses que fazem a fronteira entre Brasil e Guiana Francesa. Nessa fronteira está o maior parque nacional brasileiro, o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque com 3.846.429 hectares. No lado francês o parque prossegue com o nome de Parc Amazonien de Guyane. Há muita colaboração e trabalho conjunto com o parque brasileiro.          

Mapa da Guiana (república) ex-inglesa com os nomes das 10 regiões (províncias)

Mapa da Republic of Guyana com os números das regiões. A cidade de Lethem fronteira com Bonfim (RR / Brasil) fica na Região 9  

Pico da Neblina o ponto mais alto do Brasil fica no Escudo Guianês dentro do Paque Nacional Pico da Neblina


sábado, 9 de dezembro de 2023

Retrospectiva: Viagens no Paraguai 2023 San Ignacio Guazu, Misiones, em um congresso oficial


Retrospectiva 2023 viagens no Paraguai (Clique nas fotos para ampliar)

Delegação do Uruguai conduzida por Juan Carlos Palacios autor do livro "Venimos de pueblos incendiados”. A uruguaia foi a maior delegação do evento. Embora não seja parte dos 30 povos, país abriga sedes de antigas estâncias e "caleiras" jesuítas  além de destaque na logística e atendimento a jesuítas recêm desembarcados   

Na placa atrás se lê: Segunda Reunião de Cúpula de Autoridades Internacionais e Regionais dos 30 Povos Jesuítas e Guarani(s) 




Vestidos de ñanduti para as mulheres e camisas de ao po'i para os dançarinos

Com seis garrafas

Estas fotos são as únicas sobreviventes das centenas de imagens que fiz com a minha máquina Canon na II Reunião de Cúpula (Cumbre) de autoridades dos 30 Povos das Miissões que reuniu prefeitos e secretários de turismo, ou cultura ou ainda dos dois de cidades do Paraguai, Argentina e Rio Grande do Sul (Brasil). Um evento muito bom, muito bem preparado, sério, organizado com apoio da Prefeitura (Intendencia) de San Ignacio Guazu, e o campus da Universidad Católica de Asunción com a participação de várias organizações como os Jesuítas do Paraguai. Sobre o evento já contei antes. 

Sobre o problema com as fotos, aconteceu o seguinte: Passei todas as fotos para um pen drive. O cartão de memoria foi esvaziado. Escolhi as fotos abaixo para postagem. Depois descobri que alguém usou o pen drive e apagou todas as fotos. Por isso, para não arriscar perder as fotos de uma vez coloquei as sobreciventes aqui. O lado bom das coisas é que as fotos sovreviventes conquistaram o meu carinho e me fez lembrar de coisas que ainda não havia contado por aqui.   
      
É preciso "pescoço forte" para se apresentar com 10 garrafas na cabeça é quase duas vezes a altura da dançarina e isso sem falar do domínio do equilíbrio

Parte das boas lembranças foi a oportunidade de me sentir livre em San Ignacio e poder perambular dentro da área mais ou menos restrita  e poder acompnhar o trabalho de uma equie grande por trás das apresentações da "Dança da Garrafa". Mantendo a distância para não atrapalhar aos dançarinos e dançarinas e não causar acidentes, tive a oportunidade de ver e sentir o agito na apresentação. Conversei com a professora e assistentes e elas me tiraram dúvudas. Perguntei, por exemplo quanto tempo uma dançarina leva para adquirir habilidades para dançar e se apresentar. A professora disse que as dançarinas mais novas no grupo tinham um ano de treino. Disse também que uma vez começado sempre haveria o que aprender. Como eu via meninas se preparando com duas garrafas, três garrafas perguntei, no intervalo, o que indicaria que elas estivessem prontas  pronto para se apresentar com sete, dez garrafas. A resposta me fez senrir muito respeito pela arte, pela prática da dança, pela disciplina e pelos bastidores. A professora disse que o fortalecimento do pescoço (cuello) era o que determinava o número de garrafas.  Fiquei impressionada com este detalhe de "fortalecimento" do pescoço 


Esta foto mostra muito dos  bastidores atrás da mesa das autoridades. A prefeita Cristina Ayala, de saia vermelha, está logo atrás.  As bailarinas fizeram pouse. Na frente delas dá para ver uma caixa, parte das ferramentas,  utilizada para carregar as garrafas. Abaixo, destaque da caixa  

 
Caixa porta-garrafas, aquelas que serão utilizadas na dança da garrafa (danza de la botella) pelas "botelleras". Cada equipe carrega a sua própria caixa e outros equipamentos 

Botelleras / Garrafeiras

Botella como você deve saber significa "garrafa". A Dançarina da "Dança  Garrafa" ou "Danza de la Botella" é conhecida no Paraguai como "botellera". E parece que a palavra não era muito bem vista e isso ninguém me disse. Escutei alguém dizendo: Tenha orgulho de ser botellera! Mas as coisas estão mudando. Parece que chegou a hora de assumir não só a palavra como a arte de uma vez lembrando que ser botellera não é para todo mundo. 

Por isso. no domingo dia 17 de setembro  foi organizado em Assunção um encotro que reuniu 500 "botelleras". O propósito foi conseguir entrar no Guinnes com o recorde mundial como "A  Maior Danza Paraguaia da Garrafa no Mundo". Conseguiram! 
O tema do evento foi "La Mujer Botellera como Identidad Cultural del Paraguay ante el Mundo” ou "A mulher garrafeira como identidade Cultural do Paraguai perante o Mundo". No dia do evento as 500 dançarinas utilizaram 2 mil garrafas. A convocação foi atendida por academias de dança, grupos, ballet, amadores, intérpretes e bailarinas de todo o territorio do Paraguai. Esta última parte com informação do jornal Ultima Hora e veja este vídeo da AFP

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Minhas memórias de Maceió estão afundando pouco a pouco


Porto de Maceió observado de um mirante no Farol. Um dia trouxe uma viajante francesa aí sem saber que ela era a atriz Jeanne Moreau (1928-2017). Só descobri, no outro dia, no Jornal de Alagoas, que ela era a estrela de um filme de Cacá Diegues que começaria a rodar naquela manhã no interior (foto do site JB na Estrada)   

As minhas memórias de Maceió estão literalmente afundando. Afundando com os bairros de Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Gruta de Lourdes, Mutange e outros.  O centro do mundo onde eu me criei se chamava Ponta Grossa, um antigo sitio agrícola de alguma família que com o passar do tempo foi se tornando "bem público". 

Primeiro os padres ganharam um extensa área de terra onde construíram um igreja e uma casa de caridade chamada de Casa dos Pobres. As terras dos padres ia do local onde ainda está (eu acho) até a beira da Lagoa Mundaú. Beira da Lagoa é uma frase forte e tem muitos significados. 

No tempo da Segunda Guerra Mundial, depois que o Brasil entrou na guerra, os Estados Unidos, o país, instalou uma base militar que se chamou US Navy Air Facility Maceió em uma área de terra que ia da Beira da Lagoa até o limite com as terras da Casa dos Pobres. Uma extensa área alagadiça foi aterrada dando origem ao que na minha época eu via como o Vergel do Lago. Nessa área do Vergel os americanos construíram um dique que adentrava a Lagoa para receber aviões da USNAV NAF.  Hidroaviões civis já aquatizavam  em diferentes pontos da Lagoa desde os anos 1920. 


Como o dique do Vergel era um de meus lugares preferidos, me lembro de uma enorme rampa de madeira que possibilitava o desembarque de carros que chegassem até aí em barcos ou balsas com destino à base militar. Esta rampa de madeira podia ser levantada para impedir a entrada de veículos inimigos. Ainda cheguei ver as correntes que levantavam essa "porta". 

Mas independente do que os militares fizessem com a "Pista do Vergel", ela serviu para meu primeiro acidente de bicicleta. Como a pista era longa, pedalei  com todas as minhas forças para atingir grande velocidade. Meu plano era chegar até o fim da rampa e freiar derrapando lateralmente. A intenção era mostrar minha proeza para o público presente especialmente as meninas. Como a bicicleta não era minha, eu não conhecia os truque dos freios e terminei atraindo a atenção de todos presentes na pista que queriam ver se eu eu tinha morrido. O pior é que esta não foi a única vez que me esborrachei no chão de bicicleta. Na última vez eu já tinha passado dos 40 anos desta vez na Serra da Bodoquena. Bem longe da minha Lagoa nativa.  

Ainda nas proximidades da Pista do Vergel os americanos construíram alojamentos. Não ouso dizer quantas casas eram. Com o fim da guerra, os Estados Unidos passaram a infraestrutura para o Brasil, que passou para  Alagoas que passou ao Município  que repassou as casas em um projeto de habitação popular. Me lembro com carinho da arquitetura daquelas pequenas casas. Tinha cara de  Filipinas, Samoa ou Tuvalu. 

Desde essa época também, já aterrizavam aviões na parte alta da cidade na localidade de Tabuleiro do Pinto. Com a guerra e a presença de submarinos alemães nas águas os americanos investiram muito também no no Tabuleiro do Pinto onde funcionou uma base para BLIMPS (dirigíveis) anti-submarinos. Era próxima à área onde já funcionava o antigo Aerporto da PANAIR, Aeroporto Campos dos Palmares, atual  Aeroporto Zumbi dos Palmares. Na época era importante ligar a base da Lagoa com a base do Tabuleiro. A estrada que ligava as duas pontas deu origem à Rua Santo Antônio. 

Além de ligar os dois pontos estratégicos e logísticos para a aviação da cidade e do Brasil, a Rua Santo Antônio serviu de pista para minhas primeiras caminhadas no mundo. 

Sem avisar nada a ninguém, um dia sumi de casa e fui andando sozinho desde uma interseção da Rua Santo Antonio até o Palácio do Governo na Praça dos Martírios e voltei. Em casa, com todo mundo preocupado, fui recebido com alívio e uma surra para nunca mais repetir aquilo.  

Além da Casa dos Pobres, a  Rua Santo Antônio tinha o Bar da Irmã Terezinha, o Colegio Municipal, o Cine Lux (onde assisti filmes como Godzila, Dio come ti Amo),  uma loja chamada Casa Brasileira, uma funerária de um fúnebre conhecido, estava o prédio da Saúde Pública, era parecido como uma UBS, a Praça e a Igreja da Graça, no bairro da levada (foi no brejo da Levada que eu observei meu primeiro Tiziu) ,  atravessava o Mercado Municipal, os trilhos do trem e chegava até a Praça dos Martírios onde estava o Palacío dos Martírios ou Palácio do Governo antiga sede do Governo de Alagoas.  

Da Praça dos Martírios em frente

Da Praça dos Martírios, seguindo em frente, uma ladeira levava ao bairro do Farol que está na lista dos afetados pelo afundamento causado pelo espaço vazio deixado pela mineração da sal-gema. Logo depois dessa ladeira,  havia a Igreja Assembleia de Deus do Pastor Barros. O pastor Barros era alvo de meu pai, do Robson e do Dogival, este último pastor adventista em disputas religiosas verbais que me pareciam verdadeiras brigas de galo. Eu sonhava em poder organizar minhas próprias batalhas. 

Bem mais adiante continuando a avenida que substitui a rua Santo Antonio rumo ao Tabuleirol estava o Hospital dos Usineiros, que hoje foi evacuado por causa do afundamento. Hoje o Hospital mudou de nome e um dos últimos nomes pelo que vi foi Hospital do Agronegócio da Cana de Açucar. Mudança de nome é mudança de nome! Um dos ambientes deste hospital se chamava Sanatório, um local visto com medo e desconfiança pelas crianças porque a maioria dos pacientes da casa sofriam de turberculose e tuberculose matava. Me lembro da Inês, sendo internada lá e o filho dela, o Everaldo passando uns dias na casa de minha família. Alguns conhecidos não voltaram do hospital.


Lagoa e barreira - área minerada sob meus insgnificantes protestos

Da Praça dos Martírios à esquerda

Voltando à Praça dos Martírios virando à esquerda dela estava a Rua Hermes da Fonseca. Esta rua levava ao Bebedouro.  Pelo menos uma vez por ano ainda sonho que estou no Bebedouro, ou na frente de algum casarão com histórias que até hoje desconheço. Uns casarões estavam entre a rua e o banhado da Lagoa. Outros estavam no lado oposto, frente para a rua e fundos para as "barreiras". 


Antiga Casa de Repouso Dr. José Lopes

Barreira é outra palavra marcante e um dos detalhes da geologia complicada do nordeste. Esse encontro entre mar e barro é interessante. O que é barro? De vez em quando dávamos enormes pernadas em direção ao Bebedouro, eu e meus irmãos, às vezes minha mãe ia junto. É no Bebedouro onde o rastro do afundamento atual se vê com maior violência. Até a clínica do Dr. José Lopes, vejo fotos, foi evacuada. A clínica psiquiátrica lembrava um paraíso.

Um prédio de estilo clássico no meio de uma vegetação frondosa, bem cuidada, com jardins, com lago e gansos. Ver os pacientes de branco naquele paisagem na minha cabeça de oito anos, eu enxergava o paraíso, céu. Uma pessoa querida era internada neste estabelecimento pelo menos uma vez por ano. Quando não havia vaga no Dr José Lopes e ela era levada para casas de arquitetura normal, eu sentia que o estabelecimento já era parte da família das cadeias e purgatórios.  

A Lagoa 

No meu círculo cultural e social a lagoa era lagoa e só. Mas hoje se destacam três palavras em relação a ela: Lagoa, Laguna e Lago. Laguna seria o termo técnico por ser um corpo de água salobra por encontrar-se com o mar. Mas para mim ela é lagoa e pronto. No tempo dos americanos, ela aparecia nos mapas como Lagoa do Norte. Prevaleceu o nome Lagoa Mundaú. Uma das características da lagoa é a lama, escura e com um cheiro forte. Aquela lama é o berço do sururu. Um marisco ou que dentro da lama forra o fundo da lagoa. Andando descalço na lagoa a com na altura do joelho a gente sentia a lama e as partículas das cascas do sururu especialmente quando elas entravam nos pés. O próximo passo era abaixar e tentar pegar com as mãos a maior quantidade de lama possível. Trazê-la para fora e colocar numa bolsa, lata, saco. 

Entre o Mar e a Lagoa: Ponta Grossa à direita rumo sul (Fonte da foto). Meus primeiros 20 anos rodando neste miolo

Depois todo sururu trazido para fora tinha que ser lavado. Aquele sururu era comida da boa, barato, grátis, forte e muito gostoso. Era o seguro comida de toda a população pobre. Minha família não era sururuzeira. A gente, minha mãe, irmãos. tias só organizava expedições à Lagoa quando a situação ficava um pouco difícil.

Mas muita gente da beira da lagoa vivia só de sururu e havia como continua havendo hoje graças a Deus, uma divisão do trabalho do sururu: há quem tire, há quem lave, há quem carregue e as  "despenicadeiras". Geralmente são mulheres as depeniqueiras. Mas há bons depeniqueiras. E há as crianças. Eu era razoavelmente um bom depenicadeiro mirim. Era uma festa. O sururu é um produto de mão de obra intensiva. Além de depenicar ainda há o verbo descascar. 

Nessa época o sururu era comida de pobre. Pouco a pouco o sururu foi ficando mais raro. A lagoa sofria de uma espécie de mau olhado do governo. Começaram os ataques à lagoa na forma de aterro. Eram aterros que avançavam sobre a lagoa para todos os lados e por fim por volta de 1974 começaram as obras para a exploração da sal-gema, começou a poluição e começaram os problemas da lagoa. É como se a lagoa tivesse perdido seu lugar no coração dos alagoanos de municipios vizinhos da lagoa. E agorinha falam que sururu pode ser extinto

A chegada da sal-gema, foi o símbolo de minha desistência de continuar coexistindo em Maceió com pessoas que viam no ataque à natureza da Lagoa e lagoas, rios como progresso e garantia do futuro.Para mim a Lagoa Mundaú é o símbolo global. Continúo assistindo anúncios de obras que trarão progresso no "engordamento" de praias, na especulação imobiliária global quer à beira mar quer no interior, o desmatamento, os aterros, canalização de rios e na surdina o lobby internacional para a liberação da mineração "sustentável" do fundo do mar. A Noruega já liberou a mineração em parte do Ártico e a pequena Nauru quem diria está sendo usada como testa de ferro para a liberação desta "salgemização" global. Vai ser o fim da picada e motivos para mais conflitos! 

Assista esta vídeo-aula para entender o afundamento (colapsamento / rebaixamento) de Maceió

Nota:

Este texto foi escrito longe de Alagoas para pessoas que não estão em Alagoas. Assim rogo aos conterrâneos que perdoem qualquer imbecilidade inevitável. São memórias de infância assim não possuem necessidade de ter qualquer rigor científico, jornalístico ou acadêmico. Mas tem muito coração. Os lugares que cito são parte de mim. Faltei mencionar a Levada, a Vila Kennedy, a Coreia, o Trapiche e o Pontal da Barra. Da para ver que sou mais Lagoa do que mar. Obrigado e saudações

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Este vídeo quer resgatar o "coração missioneiro". O espírito dos 30 povos

Veja no You Tube

Chegou, este vídeo até a minha caixa de entrada por meio de um amigo de longa data dizendo que o clipe o havia deixado emocionado. Fui assistir para ver e gostei. "Mas não basta ser gaúcho tampouco ser brasileiro se está te faltando um coração missioneiro". O vídeo abre com um coral guarani mbya  que diz o refrão  em guarani reafirmando que não basta ser gaúcho tampouco ser brasileiro se ainda está faltando "pete
ĩ py'a missioneiro" e aparecem comunidades cantando o refrão em russo e castelhano com legendas em italiano, polonês, alemão e castelhano. O vídeo está no canal do cantor e compositor Noé Teixeira. 

A produção é minuciosa e deve ter custado um bom dinheiro ou grande quantidade de carinho, dedicação e trabalho. E parece ter sido parte de um esforço de divulgação da região com fins de promover o turismo e a cultura. Gostei da valorização da coisa missioneira ou misionera. Mas não é só isso. O vídeo utilizou a música de Noé Teixeira para promover esta campanha que fecha o vídeo com a assinatura do Mercosul. Um exemplo simples, que utiliza recursos locais.  

Eu, aproveito para lembrar de onde vem esta coisa chamada "missioneira" ou "misionera" e de onde vem esta ideia de "Missões" ou "Misiones" como um território histórico que ultrapassa fronteiras. Digo de passagem bem rapidamente o seguinte: 

Quando os jesuítas foram expulsos das terras da Espanha em 1767, eles deixaram para atrás e abandonados 30 povos que estavam mais ou menos assim divididos: oito no Paraguai atual, 15 na Argentina atual e sete no que hoje é Rio Grande do Sul. Para preencher o vazio deixado pelos padres, a espanha criou algo chamado Governo das Missões Guarani (guaranis). Era conhecido também como Governo Político e Militar de Misiones ou ainda Governo dos Trinta Povos das Missões. Este governo funcionou entre 1770 e 1810 quando começaram as lutas de libertação da Argentina e do Paraguai e a separação de tudo o que fora sido a Governação do Paraguai e a Intendência de Buenos Aires. A província de Misiones na Argentina e o Departamento de Misiones no Paraguai são continuação, na minha visão, deste antigo "território missionero".  

O Brasil que tem a política de passar um apagador em toda histórua que não segue o currículo nacional luso-brasileiro, oficialmente apagou a da memória a existência de uma região  autônoma que exisitiu dentro de parte de seus território. Mas o termo "missões" permaneceu resistindo à pressão mesmo sem adquirir nenhum status oficial. Por isso se diz que "misionero" ou "missioneiro" é um estado de espírito. 

É como se em alguma dimensão dos seres o antigo governo das missões continuassem dominando  corações. Turisticamente falando existe uma Assembléia Anual dos 30 Povos da Missões realizadas na cidade San Ignacio Guazu, Departamento de Misiones, Paraguai e uma um encontro de dirigentes e prefeitos dos 30 Povos das Missões (30 Pueblos de las Misiones). 

"O Brasil pensa em Sete Povos das Missões mas os Sete Povos foi o fim do prejeto" - disse Auri B. Kochman, um dos dirientes da Associação dos Municípios Missioneiros (RS). Ele finalizou dizendo que o Brasil tem uma dívida grande com as Missões. Assino embaixo. Outra frase de efeito que escutei nas andanças este ano foi: "Não existe gaúcho, sem ter havido missioneiro antes"; O autor da frase lembrou que 90% do Rio Grande do Sul é missioneiro.          

Tentativa de ficha tecnica

Cantores:

Noé Teixeira, cantor e autor

Coral do Tekoa Mbya Guarani São Miguel das Misões

José Guedes

Suzana Marques