sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A morte - o dia em que ela chegou para levar o Joaquim


(Essa "estória" aconteceu há alguns anos. A morte de um mototaxista. A publico hoje como uma despedida da Semana Nacional do Trânsito. Nela, mesmo nela, a história se repetiu - Jackson Lima)   


Amanheceu chovendo no dia em que ele iria morrer.  Saiu da cama, foi ao banheiro. Trocou de roupa, beijou a mulher pela última vez, colocou o colete de mototaxista e saiu para ganhar a vida. Fez umas três corridas. Levou um turista paulista para o Paraguai.  Paraguai é como os brasileiros andam chamando a cidade de Yaboti Porã. Voltou, se livrou de um assalto e pegou mais duas corridas. Uma para o hospital – uma mulher ia visitar o marido e outra para o supermercado. Enquanto aguardava a cliente, a mulher dele telefonou.

Alô! É você pai? — Pai é aquele jeito de mulher chamar o marido, e significa que está tudo bem,
— Quem mais, o Ricardão? Que é que você quer?
Viu, traga leite e óleo. Nenê ta com fome.
­— Tá bom, tou indo.

Entrou no mercado e comprou o que a mulher pediu. Uma caixa de leite líquido – desse tipo que é  chamado de longa vida e uma pacote de leite líquido em saco plástico.  Aproveitou e levou também óleo de cozinha.


Na mesma manhã, Marina Pepa Koffin, saiu da cama com um peso no peito. Não queria fazer nada. Quando colocou o pé no chão, sentiu que deveria ter continuado dormindo. Aproveitou que estava de folga, saiu, para pagar contas. Passou em algumas lojas e recolheu folhetos de divulgação de um curso de pós em uma faculdade da cidade. Almoçou no centro da cidade em um restaurante popular.
À tarde, voltou a casa só para levar o Arthur para a escola.

Com essa chuva bem que ele poderia faltar, pensou.
Colocou o Arthurzinho   na cadeirinha para crianças, assegurou-se de que não esquecera o celular e partiu. Tomou rumo ao norte até a esquina da Rua dos Ipês e depois girou para o sul na Avenida das Cachopas. Entrou na avenida pela extremidade sul. O trânsito estava calmo. O asfalto molhado parecia um espelho – debaixo de cada carro estacionado, parecia haver outro, agarrado a ele e de cabeça para baixo.  O celular toca e ela atende. Era o marido.

Pode falar?
Posso amor.

O Arthurzinho, diz alguma coisa e ela volta o rosto para trás na direção dele.

O mototaxista vê o carro que vinha em sua direção. Mas não havia perigo. O carro subia a via dele e ele descia. Como era rua de mão dupla, tudo estava bem e sob controle.

O carro se desvia ligeiramente à esquerda. De repente, um choque, uma batida, um barulho típico de desastre. Ela para o carro. O mototaxista, está no chão. O leite do saco plástico escorria pela galeria de águas pluviais. A caixa do leite, havia partido. O óleo de soja comprado de emergência caiu na boca de lobo.  Arthuzinho gritou de desespero. Ele não entendia nada mas sentiu telepaticamente o que a mãe sentia. Começou a chorar, espernear, gritar. Gente apareceu de todos os lados. Daí veio o Siate com paramédicos e médicos. Joaquim o taxista de moto estava morto. No chão. Enquanto era levado pelos guardiões, se via na chuva, uma bela mulher com um enorme guarda-chuva que o protegia.

— Eu só queria levar o leite — protestava, mas já em paz.

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