A cultura dominante, hoje mundializada, se
estrutura ao redor da vontade de poder que se traduz por vontade de dominação
da natureza, do outro, dos povos e dos mercados. Essa é a lógica dos
dinossauros que criou a cultura do medo e da guerra. Praticamente em todos os
países as festas nacionais e seus heróis são ligados a feitos de guerra e de
violência.
Os meios de comunicação levam ao paroxismo a
magnificação de todo tipo de violência, bem simbolizado nos filmes de
Schwazenegger como o “Exterminador do Futuro”. Nessa cultura o militar, o
banqueiro e o especulador valem mais do que o poeta, o filósofo e o santo.
Nos processos de socialização formal e informal, ela não cria mediações para
uma cultura da paz.
E sempre de novo faz suscitar a pergunta que, de
forma dramática, Einstein colocou a Freud nos idos de 1932: é possível
superar ou controlar a violência? Freud, realisticamente, responde: “É impossível
aos homens controlar totalmente o instinto de morte…Esfaimados pensamos no
moinho que tão lentamente mói que poderíamos morrer de fome antes de receber
a farinha”.Sem detalhar a questão, diríamos que por detrás
da violência funcionam poderosas estruturas.
A primeira delas é o caos sempre
presente no processo cosmogênico. Viemos de uma imensa explosão, o big bang.
E a evolução comporta violência em todas as suas fases. São conhecidas cerca
de 5 grandes dizimações em massa, ocorridas há milhões de anos atrás. Na
última, há cerca de 65 milhões de anos, pereceram todos os dinossauros após
reinarem, soberanos, 133 milhões de anos. A expansão do universo possui
também o significado de ordenar o caos através de ordens cada vez mais
complexas e, por isso também, mais harmônicas e menos violentas. Possivelmente
a própria inteligência nos foi dada para pormos limites à violência e
conferir-lhe um sentido construtivo.
Em segundo lugar, somos herdeiros da cultura
patriarcal que instaurou a dominação do homem sobre a mulher e criou as
instituições do patriarcado assentadas sobre mecanismos de violência como o
Estado, as classes, o projeto da tecno-ciência, os processos de produção como
objetivação da natureza e sua sistemática depredação.
Em terceiro lugar, essa cultura patriarcal gestou
a guerra como forma de resolução dos conflitos. Sobre esta vasta base se
formou a cultura do capital, hoje globalizada; sua lógica é a competição e
não a cooperação, por isso, gera guerras econômicas e políticas e com isso
desigualdades, injustiças e violências. Todas estas forças se articulam
estruturalmente para consolidar a cultura da violência que nos desumaniza a
todos.
A essa cultura da violência há que se opor a
cultura da paz. Hoje ela é imperativa. É imperativa, porque as forças de destruição
estão ameaçando, por todas as partes, o pacto social mínimo sem o qual
regredimos a níveis de barbárie. É imperativa porque o potencial destrutivo
já montado pode ameaçar toda a biosfera e impossibilitar a continuidade do
projeto humano. Ou limitamos a violência e fazemos prevalecer o projeto da
paz ou conheceremos, no limite, o destino dos dinossauros.
Onde buscar as inspirações para cultura da paz?
Mais que imperativos voluntarísticos, é o próprio processo antroprogênico a
nos fornecer indicações objetivas e seguras. A singularidade do 1% de carga
genética que nos separa dos primatas superiores reside no fato de que nós, à
distinção deles, somos seres sociais e cooperativos. Ao lado de estruturas de
agressividade, temos capacidades de afetividade, com-paixão, solidariedade e amorização.
Hoje é urgente que desentranhemos tais forças para conferir rumo mais
benfazejo à história. Toda protelação é insensata.
O ser humano é o único ser que pode intervir nos
processos da natureza e co-pilotar a marcha da evolução. Ele foi criado criador.
Dispõe de recursos de re-engenharia da violência mediante processos
civilizatórios de contenção e uso de racionalidade. A competitividade
continua a valer mas no sentido do melhor e não de destruição do outro. Assim
todos ganham e não apenas um.
Há muito que filósofos da estatura de Martin
Heidegger, resgatando uma antiga tradição que remonta aos tempos de César
Augusto, vêem no cuidado a essência do ser humano. Sem cuidado ele não vive
nem sobrevive. Tudo precisa de cuidado para continuar a existir. Cuidado
representa uma relação amorosa para com a realidade. Onde vige cuidado de uns
para com os outros desaparece o medo, origem secreta de toda violência, como
analisou Freud. A cultura da paz começa quando se cultiva a memória e o
exemplo de figuras que representam o cuidado e a vivência da dimensão de
generosidade que nos habita, como Gandhi, Dom Helder Câmara e Luther King e
outros. Importa fazermos as revoluções moleculares (Gatarri), começando por
nós mesmos. Cada um estabelece como projeto pessoal e coletivo a paz enquanto
método e enquanto meta, paz que resulta dos valores da cooperação, do
cuidado, da com-paixão e da amorosidade, vividos cotidianamente.
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