sábado, 11 de julho de 2020

Um tributo ao navio, ao Projeto HOPE e seu fundador William Walsh, um cliente VIP do Hotel Carimã




Dr. William Walsh, fundador do Projeto Hope, desembarca em Maceió (AL) para a penúltima missão do navio SS Hope.  

No final de uma tarde de algum dia de 1978, pelo menos, voltei de uma excursão e passei na Agência para comunicar que havia retornado são e salvo com meus “passageiros”. A chefe, uma pessoa chamada Síssi, me entregou uma ordem de serviço para o dia seguinte. O cliente chegaria no voo das 22h e outro guia faria o traslado Aeroporto-Hotel. Eu trabalhava na empresa iguaçuense Grande Agência Tur-Turístico Internacional (junte as iniciais) Ltda. Descobriu?

A empresa criada pelo empresário Ermínio Gatti tinha sede no Hotel Carimã, de doces, agradáveis e suadas memórias.  Olho a ordem de serviço e digo à Sissi, a chefe e responsável pela escala: “Nossa o Mr Walsh vai estar no Carimã amanhã. Isso é demais”. A Síssi reagiu. Deve ter pensado que não ficara contente em atender um "serviço privado" para estrangeiro, de repente por não render muito. Um estrangeiro só, não tem interesse em compras na Argentina, ou Paraguai, sem comissão. Qual é o problema? - perguntou a chefe que não levava problema para casa. "Nenhum, pelo contrário".  É que eu conheço, o Mr Walsh.  

Mr. Walsh é recebido pelo governador Afrânio Lages e autoridades alagoanas

Cinco anos antes, em uma tarde de 1973, o navio Hospital HOPE atracava no Cais do Porto de Maceió. O Governador de Alagoas, Afrânio Lages,  estava lá para receber o navio com banda de música, autoridades civis, militares, médicos. Só gente grande de Alagoas. Eu, com 18 anos estava na multidão que recebia o Projeto. Meu sonho era trabalhar como intérprete voluntário no navio que passaria oito meses ancorado em Maceió atendendo pacientes e organizando treinamento para médicos e outros profissionais de Alagoas. A presença de centenas de enfermeiras americanas* voluntárias (uma delas Susan Agnew, filha do vice-presidente dos EUA Spiro Agnew) em Maceió foi decisiva para criar a primeira geração de enfermeiras com treinamento acadêmico e prático oficial em Alagoas. Foi coincidência que o primeiro curso de enfermagem da UFAL começou em 1973? Acho que não!

Eu nunca cheguei perto do Dr Walsh em Maceió. Só o vi naquele dia e de longe. O navio chegando ao porto devagarinho. A ancoragem cerimoniosa. O convés cheio de enfermeiras, enfermeiros e médicos com seus uniformes brancos, o Mr. Walsh, presidente do projeto desembarcando acenando, a música hinos nacionais, toda uma festa. Nunca cheguei mais perto do navio do que naquele dia. Logo entraram em vigor as regras, a segurança.  


Dia de Glória: William Walsh recebido por uma multidão considerável no Cais do Porto na "Terra dos Marechais

E veja agora! Em Foz do Iguaçu, lá estava eu sendo designado para guiar o Sr. William Walsh, leva-lo às Cataratas nos dois lados da fronteira e tomar conta de todos os processos que o mantivessem são, salvo e bem cuidado: traslado, travessia de fronteira, carimbo de passaporte, nome na lista, hora da saída de excursão, almoço, café da manhã, não perder a hora do voo, estar duas horas antes no aeroporto pela manhã e não esquecer de explicar o que é Foz do Iguaçu, a diferença de Foz do Iguaçu e Cataratas, por que a terra é tão vermelha? E por que a estrada até o Porto Meira é tão poeirenta entre outras atribuições?

No dia do passeio, me apresentei ao meu cliente especial e disse que seria o seu guia. Em algum momento contei que era seu fã desde o dia em que discursou no cais do Porto de Maceió com o governador Afrânio Lages. Daí em diante,  o passeio às Cataratas ocorreu normalmente.

Dei minhas explicações, ele adorou e foi inevitável que ele começasse a querer saber mais sobre minha historia. Como é que você veio parar aqui? Esse lugar é maravilhoso. Contei minhas histórias incluindo que, na minha cabeça e para a minha realidade não havia como viver em Maceió e que tradicionalmente o nordestino imigrava para São Paulo. Falei sobre minha passagem por Assunção e meu trabalho missionário e os caminhos tortos até chegar a Foz do Iguaçu onde as Cataratas e a Mata me conquistaram. No segundo dia de excursão fomos às Cataratas Argentinas. Logo no começo da trilha, escuto alguém me chamar pelo nome.

Olho e vejo duas moças. Era uma americana e uma alemã. Apresentei as duas ao meu cliente. Eu disse a ele: Dr Walsh lembra que falei da missão em Assunção? Bem, essas duas amigas são colegas de lá. Ele adorou conversar com as duas missionárias. Elas eram as verdadeiras missionárias, egressas de escola missionária em Nova York. O médico, me surpreendeu e informou que as duas, a partir dali eram agora convidadas dele e que ele arcaria com qualquer custo o que incluiu o impensável almoço no hotel El Libertador e jantar após regresso ao Brasil. O tour VIP personalizado agora tinha aumentado. Para as missionárias, que recebiam uma mesada mínima para passar o mês, o Dr Walsh caiu do céu. Todos os custos extras foram assumidos pelo meu cliente VIP. Essa foi uma de minhas melhores experiências como guia na Escola de Turismo e Guias do Dr. Ermínio Gatti. Isso mesmo. O Hotel Carimã, a Gatti Turismo e até a Viação Itaipu podem ser vistas como a primeira faculdade de turismo da cidade (Motoristas de turismo castigados por não se comportarem bem passavam um tempo na Viação). Ermínio Gatti e suas empresas foram a escola de muita gente que hoje é liderança em Foz do Iguaçu especialmente na hotelaria e turismo, eu entre os alunos. O Hotel Carimã continua na labuta agora com novo projeto e proposta.  

Nosso passeio naquele dia foi muito produtivo. Fizemos todos os passeios do lado argentino das Cataratas. Na época isso incluía fazer o passei superior completo saindo do antigo Hotel Cataratas, à esquerda indo até o pé dos saltos no segundo degrau. Daí voltar, subindo muitas escadas, e começar a andar em direção à Garganta do Diabo, pelas trilhas (passarelas antigas) que as cheias derrubaram. Depois de ver a Garganta, pegávamos um barquinho a remo para ir até o Porto Canoas onde hoje a Estação Garganta. Daí embarcamos no carro da Güembé Turismo para o centro e almoço. Por volta das 17h já estávamos prontos para voltar a Foz. Uma das missionárias embarcou para Posadas. A outra, uma texana-mexicana, atravessou para Foz onde jantamos (no Hotel) e depois eu a acompanhei para a (antiga) Rodoviária de Foz do IGuaçu onde elea embarcou para Assunção.

O HOPE fez dez viagens ao redor do mundo
passando pelo menos oito meses em cada porto

Notas sobre o Navio e Projeto

O nome do Projeto, HOPE significa Health Opportunities for People Everywhere.  O navio sempre foi navio-hospital. Antes de se chamar SS Hope, civil, o navio do Projeto Hope se chamava USS Consolation, um navio hospital da Marinha dos EUA entre 1945 e 1955. Entre 1958 e 1974 o barco foi doado ao Projeto Hope por ordem oficial do presidente Dwight Eisenhower, DE QUEM, William Walsh foi médico presidencial. Com o projeto HOPE o navio cumpriu 10 missões mundiais. A do Brasil foi a última e a mais longa (1972-1974). William B. Walsh morreu em 1996, aos 76 anos, vítima de câncer. Ele nasceu em Brooklyn (NY) e morreu em Bethesda (Maryland).

Republicano, Walsh recebeu honrarias de presidentes republicanos e democratas 😂, de Ordem do Mérito do presidente da França e até do Papa Paulo VI. Durante a Guerra do Pacífico ele era médico da Marinha e foi um dos profissionais a ver o horror da Hiroshima devastada por uma bomba atômica.

O link a seguir resgata a história de como o Navio Escola veio a Maceió. O artigo "Projeto HOPE: atuação de enfermeiras norte-americanas no Brasil (1973)", de  Laís de Miranda Crispim Costa e equipe na Revista Brasileira de Enfermagem ajuda a entender o período. O Projeto Hope continua só em terra com a mesma missão: levar treinamento médico ao mundo (Confira o site para ver o que ele oferece. Quem sabe você tem alguma proposta). Soube da morte de meu inesquecível cliente pelo Washington Post. Só agora pude prestar homenagem.   

Um B.O. chato:

Susan Agnew, filha do vice-presidente Spiro Agnew, voluntária no navio, saiu de Maceió às pressas em 1973. O motivo foram boatos de que havia planos de grupos políticos contrários ao governo sequestrar a ilustre voluntária. A Embaixada, o Serviço Secreto e outros órgãos não comentaram. A Polícia Federal negou a ameaça. Antes do ano terminar, Spiro Agnew renunciou. Era época do processo contra Richard Nixon e sua chapa.     


A Marinha dos EUA teve outro navio Hospital chamado HOPE. Não confundir  SS HOPE com USS HOPE.       

Todas as fotos são do Projeto Hope. Para quem acha que minha visão é cor de rosa, aviso que como tudo neste mundo gera polêmica. Confira a opinião da tese de Zachary Cunninham (Você vai  ter que "googlear", não consigo "linkar"):

PROJECT HOPE AS PROPAGANDA: A HUMANITARIAN NONGOVERNMENTAL ORGANIZATION TAKES PART IN AMERICA’S TOTAL COLD WAR. (2008)

*Sobre meu uso da palavra "americana" e não norte-americana. O nome oficial dos Estados Unidos é "América". Estados Unidos não é o nome do País. É uma qualificação. Quando nasci, o nome oficial do Brasil era: "Estados Unidos" do Brasil. Já fomos "Reino Unido" de Portugal, Brasil e Algarves assim como hoje somos "República Federativa" do Brasil. Sul, Centro e Norte-Americano refere-se ao continente. A América, país do Trump 😢 fica na América do Norte, junto com canadenses e mexicanos. Esta é a explicação do meu uso da palavra "americana". É pessoal. 

   


 

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