segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Coloquemos a Ashura no calendario Iguaçuense: já que a cidade é cosmopolita

Clique sobre a foto - dá para ler

Tive a satisfação de acompanhar a celebração do Ashura – dia que celebra o Levante do Imam Hussein e ao mesmo tempo lamenta o seu martírio ocorrido por causa desse levante 1338 anos atrás. “Graças a esse levante conseguimos preservar o Islã da maneira em que foi revelado pelo profeta Muhamad”, disse o Sheikh Mohsen Amini que veio especialmente do Líbano para celebrar a Ashura, em Foz, evento que acontece no mês de Murraram. 

A foto acima mostra a reportagem escrita por mim e publicada pelo jornal Gazeta Diário na quarta-feira, 20, de setembro equivalente ao dia 10 de Murrarram do ano 1440. Clicando na foto dá para ler a matéria. Por tanto o que quero passar aqui não é a mesma coisa que escrevi no jornal. O que quero dizer aqui é que foi um privilégio para mim estar presente no finalzinho da celebração que dura 10 dias. Fui no encerramento, um pouco antes do final. 


A primeira coisa que quero dizer é que a Ashura é celebrada pelos muçulmanos da seita xiita. E aqui aproveito para fazer dois esclarecimentos sobre os conceitos seita e xiita. Ao contrário dos cristãos, os muçulmanos não têm preconceito com a palavra seita. Para o cristão, embora isso não tenha nada a ver com Cristo, “seita” é do mal, do demônio, é algo a evitar, seria um culto perigoso que pode levar à lavagem cerebral e à morte. Para o muçulmano, seita é simplesmente uma escola de pensamento. Seria parecido ao que chamamos de denominação. 

Nós, cristãos, temos a tendência a confundir denominação com religião*.   
A segunda palavra a esclarecer é xiíta. Para o ocidente de maioria cristã, mas também de leigos e incrédulos, xiíta é sinônimo de fanático. Por isso, ao longo de muitos anos, eu era conhecido como o “ecologista xiita”, quando não só fui contra como ajudei a outros a serem contra e derrubar projetos como a “iluminação das Cataratas à noite”, por exemplo. Ainda bem que o termo “ecologista” xiita caiu em desuso. A crise hídrica, por exemplo, ajudou a todo mundo ver o que os ecologistas xiitas enxergavam para o futuro e continuam enxergando.

De volta ao xiismo,  podemos dizer de modo simples que o "racha" que levou ao surgimento do xiismo, está ligado à sucessão do profeta. O profeta expressou seu desejo dizendo que após sua morte, o seu sucessor seria Ali Ibn Abi Talib (Ou Ali filho de Abi Talibi) e ao Imam que o seguisse. Isso não ocorreu após a morte do Profeta. O desejo de sucessão não foi respeitado. Pronto. Ocorreu uma sucessão que, segundo os xiitas, não era o que o Profeta queria. Os que levam essa versão ao pé da letra são os xiitas. Há outras variedades, seitas, escolas de Islã e a maior delas é a dos sunitas. “Sunitas” uma palavra que diz simplesmente, sem julgamento, que os sunitas” seguem a “suna” que significa o comportamento e modo de vida exemplar do profeta. Para os sunitas, o profeta não teria sido muito claro sobre as instruções de sucessão. Esse fato foi explorado politicamente por grandes potencias para dividir o povo do Islã por motivos não espirituais mas de geopolítica, comércio e dominação até hoje.
  
Em Foz do Iguaçu vivem sunitas e xiitas. As duas comunidades são parte da comunidade islâmica de Foz do Iguaçu – uma comunidade única. As diferenças históricas ligadas à sucessão é vivida com respeito e amizade. A celebração do Ashura é celebrada somente pela comunidade xiita. Não é muito divulgado ainda o fato de Foz do Iguaçu ter duas mesquitas. A Mesquita Branca – a bela Mesquita Omar Ibn al-Khattab, visitada por turistas, moradores e visitantes em geral é a mesquita "sunita". Foz tem também, orgulhosamente, uma Mesquita Xiita. 

O termo mesquita xiita é evitado justamente por causa do que expliquei: a ignorância do significado da palavra, o preconceito que incentiva o uso da palavra como sinônimo de fanático e daí o uso desses termos pela política e  geopolítica global. A Mesquita Xiita de Foz do Iguaçu fica localizada na Rua José Maria de Brito e atende pelo nome “Husseniya” ou Casa de Hussein.  Devem haver muitos motivos para que a Casa de Hussein não seja tão conhecida como a Mesquita Branca. Um deles é que o prédio visto de fora é comum. Não há um edifício específico para a Mesquita, não há um minarete. É mais um centro comunitário onde há escola, quadra de esporte, biblioteca, auditório, salão para festa, anexo há um grupo escoteiro e o espaço sagrado Mesquita.

Durante a Ashura, o preto é a cor. Para “eles”, assim como para “nós” o preto é a cor do luto. Nada a ser interpretado como macabro. Fui muito bem recebido. Entrei sozinho. Não havia ninguém para me receber ou escoltar. Fiquei em pé junto com membros da religião e da comunidade. Fiz algumas fotos sem ninguém voar em cima de mim e pedir credencial como acontece com a gente até em Posto de Saúde e vi como oram, recitam versos, e os homens batem forte no peito, mão direita sobre o lado esquerdo, o que significa sobre o coração e como alguns membros parecem entrar em êxtase normal e encontrado em todas as religiões. No final, me dirigi ao setor do “palco”, indo em direção ao Sheikh (Xeque) só aí um senhor se dirigiu a mim. Era parte da liderança e organizadores. Eu disse que queria gravar com o Sheikh e ele se ofereceu como intérprete. E lá fomos.

Uma pessoa muito doce o Sheikh. Eu como repórter que não teme assuntos religiosos e tem uma boa bagagem na área, aprendi a reconhecer um líder pelos olhos. Olhe no olho. Os olhos do Sheikh Amini têm esse brilho. É o olho de alguém que não se afoba para explicar, não se apressa, não julga sem necessidade e passa a mensagem  de maneira tranquila e relaxada e por isso faz amigos. Está na minha lista. 

Depois de entrevistar o Sheikh, o interprete, me pediu para esperar enquanto ele entrou numa fila, dirigiu-se ao fundo dela e voltou com uma marmita acompanhada de um refrigerante. Na verdade eram duas marmitas. Todo mundo estava saindo com marmitas e refrigerante. Fiquei muito grato. Que bom que os muçulmanos não se esqueceram do estômago. Poderíamos aprender muito com eles. 

Na época de Jesus, quando ele pregava para as multidões, ele fornecia comida. Lembra da vez que ele fez o milagre dos pães e dos peixes? Um discípulo preocupado chegou a Jesus e disse, mestre tem mais de cinco mil pessoas e está ficando tarde. Encerra o discurso para que eles possam ir embora e encontrar comida. Daí o senhor recomeça a amanhã e eles voltam. Jesus não gostou. Quanta comida temos? – perguntou. Só cinco pães e dois peixes. Daí ele mandou trazer os pães e os peixes, orou sobre eles e fez a sua mágica. Todo mundo comeu e Jesus continuou o sermão e logo liberou a todos de barriga cheia. 

Este ano foi só uma experiência. No ano que vem, já saberei abordar melhor a Ashura e outras festas. Agradeço  à comunidade, destaque para o Yassine Hijazi, jornalista e autor das fotos na matéria da Gazeta e deste "post". E Viva o Imam Hussein!           

* Nota:
Esta postagem antiga dá uma ideia de como os "cristãos não católicos" se organizam ou se dividem em "denominações" tradicionais, pentecostais, neopentecostais e ainda as restauracionistas (consideradas seitas pelas outras).    
AVISO E POSICIONAMENTO:

Parte da missão de Jackson Lima é divulgar fatos sobre todas as etnias e suas manifestações religiosas e culturais. A intenção é trazer informações como forma de desestimular o racismo, preconceitos, intolerância de qualquer tipo, nacionalismo doentio, xenofobia, injustiças, neocolonianismo e outros males.         

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