segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

De olho na Fauna do Monjolo: o Parque e o Bairro - o Monjolo das Águas


Monjolo Comum, pintura Primórdios da Lavoura Paulista de Alfredo Norfini  (Acervo do Museu Paulista da USP / Domínio Público / Wikipedia)
Depois do remanejamento de nomes de bairros de Foz do Iguaçu, o Parque Monjolo ficou dentro do novo Bairro Monjolo. Com o remanejamento, o 34º BI Mec saiu do centro e mesmo sem sair do lugar passou para o Monjolo, o bairro. O Monjolo é um bairro rico. É sede da Mesquita Omar Ibn al-Khattab e sede de instituições de ensino básico, fundamental médio e superior como o complexo UDC Monjolo e a escola Árabe Libanesa. O bairro coincide com a bacia hidrográfica do rio Monjolo, que tem nascentes em centenas de lugares do bairro. É dentro da área militar que as nascentes tomam forma de rio, atravessam um curto trajeto com alguma saúde para deixar a propriedade da nação e entrar em território municipal onde foi enterrado, viaja fora da vista dos humanos, recebe esgotos irregulares e termina em uma cachoeira invísível para a maioria dos iguaçuenses que vive de costa para o rio Paraná, ainda hoje.  Mas o que é um monjolo? 

Segundo a Wikipedia: "Monjolo é uma máquina hidráulica rústica, destinada ao beneficiamento e moagem de grãos". A ferramenta foi importante, pois dispensava o uso de mão-de-obra escrava, que antes utilizava um pilão para triturar os grãos de milho ou de arroz.      


Havia um monjolo na Colônia Militar do Iguassú. E era famoso. O etnógrafo e naturalista  argentino considerado pai das ciências naturais e do folclore de seu país, Juan Baustista Ambrossetti escreveu sobre o monjolo da Colônia Militar do Iguassú: “Este monjolo está de baixo de uma casa de paredes de taquaruçu, rodeado de uma bonita horta onde se cultivam toda classe de legumes com excelente resultado". Adiante ele fala sobre os mananciais ao redor da Colônia Militar do Iguassú onde foi hóspede em diversas ocasiões das autoridades brasileiras:  "Mananciais como esse abundam em todas as Misiones e são os que provêm, na sua grande parte, de água os numerosos arroios que desaguam nos grandes rios”.* 

Nascentes hoje
A água brotou bem ao lado da trilha de caminhada
As nascentes insistem em aparecer. Esses dias uma nascente brotou às margens da pista de caminhada na Avenida Paraná. A vi borbulhando  num domingo à tarde.  Cri ter filmado mas o aparelho celular não filmou. Pensei: volto amanhã. Mas na segunda estava muito quente. Volto amanhã, disse pensando na terça. Não deu. Na quarta consegui chegar lá mas era tarde.  “O homem” já tinha intervindo.  A Prefeitura deve ter recebido queixa, alguém dizendo  que a pista iria ficar uma lameira e que isso é feio. A resposta chegou na forma de uma máquina enorme, bruta, mui "máscula" e a nascentizinha foi morta, no nascimento. Confira as fotos e suas legendas sobre o nascimento e morte da Nascentizinha do Monjolo na Avenida Paraná:

Era para ter sido uma filmagem da água borbulhando feliz, assim como a vida
Daí veio a sábia intervenção humana ... a tecnologia resolve tudo para você

Procurando o olho d'água ...
Pronto está resolvido

Sobre os pássaros 

Graças à floresta do 34º BI Mec e ao lago do Parque Monjolo e aos terrenos baldios que guardam dentro de si algumas nascentes o Monjolo é um paraíso e cidade de refúgio para pássaros. Seria interessante uma contagem oficial. Fica aqui uma sugestão para os estudantes de biologia e ciências da natureza.  Eu creio que já vi mais de 40 espécies diferentes mas eu não sou profissional. Só me maravilho com essa possibilidade.


Uma jaçanã
Frango-d'água-comum ou galinha-d'água
O lago é lar para frangos d’água de duas espécies. O frango d’água comum e o frango d’água azul. Agorinha um casal de frangos d’água anda desfilando com três filhotes.O frango d'água azul é mais difícil de ser avistado.
Frango d'água comum com filhotes iguaçuenses nascidos no capinzal do Lago Monjolo


Garça branca - um dos moradores mais populares do Lago do Parque Monjolo. Sempre fica a pouca distância das pessoas que vão ao lago pescar

O que comem os carões no Lago Monjolo?
Há também uma família de carão  e talvez mais de uma família. Ontem vi três deles juntos e estavam brigando. Mas posso ter me enganado. Ou o terceiro carão era um tapicurú ou é de outro grupo de moradores do lago. Preciso confirmar: é carão? É tapicurú? Aceita-se ajuda. Um dia, à tarde, passava pelo lago e me sentei, à beira para bisbilhotar a vida natural com meu binóculo que não tem marca famosa. Não é dos piores. Em Ciudad del Este me custou uns R$ 70,00 há uns cinco anos. Há binóculos de dois, três mil dólares desenhados para a observação de pássaros. Vi, às margens do lago, um monte de cascas de caramujo. Parece que caramujo é do seco. Fiquei pensando o que faziam ali. Não tinha visto gavião caramujeiro. Quem come os caramujos? Daí pensei também que podiam ser uma invasão de caramujos de fora como os mexilhões da China, o terror das barragens inclusive a Itaipu (sem alarme)  ou os caramujos africanos que passam doenças. Peguei algumas conchinhas e coloquei na bolsa mas antes fiquei manuseando. Foi quando alguém falou em leishmaniose. Imediatamente comecei a sentir uma coceira e me pareceu que os olhos queriam pegar fogo. Me propus escrever para um especialista em caramujos da UFPR para saber mais. Ainda não veio a resposta. Porém a pergunta ficava no ar até que uma semana depois, volto a sentar-me às margens do lago quando vi um carão colhendo conchinhas de caramujo e habilidosamente tirando o morador de dentro dela. Daí tudo fez sentido: os carões comem o caramujo. Ora, se o carão está no lago é porque o alimento dele, o caramujo, está disponível, então os caramujos do Monjolo não são uma praga exótica  ou  alienígena (não ET). São parte da ordem das coisas da fauna brasileira o que significa que precisa de proteção. 


Socozinho
  
Socozinho
Sempre vi um socozinho atravessando o lago em um voo calmo, pousado às margens ou meio escondido na vegetação da ilhota de capim localizada nesse corpo de água. Mas parece que há mais. Recentemente vi dois.  É um morador do lago. O socozinho continua na lista de observação.


Pica-pau branco observa o mundo do alto de uma árvore

Quem também está presente no Monjolo é o pica-pau-branco (Leuconerpes candidus).  Ele não é difícil de ser visto em outras áreas de Foz do Iguaçu como na Vila  “A” próximo ao espaço Gramadão. Tenho visto vários deles no Monjolo especialmente ao redor do lago mas também em diferentes ruas do bairro. Interessante é que entre os lugares de pouso que o Leuconerpes anda escolhendo  estão aparecendo os postes de eletricidade.  

Pica-paus em um poste no Parque Monjolo

João de Barro, engenheiro e arquiteto
 
João de Barro (Ovenbird / Hornero) aproveita luminária para abrigar seu ninho / casa


Consegui fotografar um curutiê

A surpresa do Monjolo: Curutiê


O curutié é um pássaro difícil de ver. Passei um mês, entre 20 de dezembro de 2018 e 20 de janeiro de 2019 para conseguir fotografá-lo com certo sucesso.  Se não fosse o guia de turismo Marcelo da Rocha, eu nunca teria desconfiado da existência dele. Uma tarde após sair da redação (trabalho) me dirijo ao Parque Monjolo. Ao chegar descobri que o guia especializado em pássaros, Marcelo da Rocha já estava lá. Conversamos rapidamente e ele disse que acabava de voltar de uma viagem de observação de pássaros ao Uruguai. (Ele já foi foi tragado pelo vírus ornitológico amador). Ele estava equipado com um binóculo de qualidade (US$ 800 pra cima). Foi um presente de uns observadores internacionais (turistas). Todo pássaro que voava, Marcelo dizia nome e o endereço quer dizer para que árvores deveríamos olhar para vê-lo. Nisso passa um vulto voador rápido que parte do lago para o muro de um terreno no outro lado da rua e de lá para o alto de uma árvore. 
Viu? Perguntou. 
Não vi nada. 

O que era? 
É um “Yellow-chinned spinetail", disse. 
Spinetail? Reagi. Spinetail urbano? 

O nome significa rabo espinhoso de queixo amarelo (isso é uma tradução muito provisória e sem-vergonha). Com isso na cabeça, me despedi do Marcelo e fiquei pensando no "spinetail" do Monjolo. Primeiro identificar o nome português e ver fotos. Depois procurar o canto no site xeno-canto (um milagre de site).  Começou a longa história. Vi-o atravessar a rua, mas ou menos no mesmo ponto. Mas ele é tão rápido que não dá para apontar o binóculo. Um dia pego-o em flagrante em uma arvorezinha. Aponto a máquina e ele decola em voo rápido e reto na direção da câmara e some acima da minha cabeça. 

Continuei indo para o mesmo lugar ao lado de uma arvorezinha que me dava sombra.  Olhei para a árvore e distingo o formato de um ninho. Um é pouco, havia mais um a meio metro de distância. 
caiu a ficha é ninho de “spinetails”. 

Os curutiés pertencem à família dos formicarídeos traduzidos para o inglês como “ovenbirds” (pássaros forno) e para o espanhol como “hornero” ou, mais ou menos, “forneiros”. Representante principal, João de Barro, cujo ninho parece um forno. Mas nem todos os “forneiros” fazem ninhos de bairro. Eles constroem uma estrutura muito complexa com galhos e gravetos. Encontrei. Agora é ficar de longe e esperar. Tirei muitas fotos borradas. Até que um dia, dois curutiês  (casal?) passam por mim em velocidade mais lenta e pousam bem na minha frente, afastado do ninho.Fiz a foto, sem acreditar.
Ainda não contei ao Marcelo. Mas preciso marcar um final de tarde para que ele me ajude a ver outros pássaros. Em observação de pássaros, como um hobby e como nicho de turismo é necessário um guia especialista em pássaros e ambientes locais para garantir o que se vê. Agorinha preciso de ajudar para abrir meus olhos quanto aos "emberezídeos do Monjolo". São os passarinhos "passaríneos"  que comem sementes e gostam de terrenos com capinzal, ou quiçaça. São muitos.A palavra "passaríneo" quer dizer que são bons de bico: cantam bem. Um exemplo de emberezídeo: o curió 
 Mamíferos e répteis
Um preá do bairro Monjolo - a proteção inteligente dele está nas suas mãos

Além dos pássaros, na região ao redor do Lago e em terrenos em diversas ruas, tenho tido encontros frequentes com preás (Cavia aperea) e lagartos tejú como mostram as duas fotos nesta postagem. Se ampliar a foto você verá que o tejú possui uma lista amarela – ou uma série de pontos amarelos formando uma fila. Não ouso identificar a espécie. Os lagartos vistos nas Cataratas e no Bosque Guarani não têm essa lista amarela. Esse lagarto da foto me pegou de surpresa. Simplesmente apareceu saindo de um terreno. Eu já tinha viso outros com essa lista amarela em um local com boa luz. Mas desde então sofro boicote. Eles não se mostram. Sobre o preá, vi na internet, gente chamando preá de porquinho da índia do mato. Ora, é do mato ou é da Índia? Eles, os preás, não têm nada de Índia, São do mato brasileiro e sul-americano. Até os porquinhos da índia não são da Índia. São dos Andes. Interessante que em inglês o nome do porquinho da índia andino é “porco da Guiné”. Tudo errado. É isso, se não tiver o que fazer ou não souber para onde ir, vá ao Parque Monjolo, faça um piquenique.   

Tejú (clique para ampliar a foto e ver a lista amarela) 

* Do livro "Primer y segundo viajes a Misiones, por  Juan Bautista Ambrosetti.  Ambrosetti descobriu cidades pre-históricas na Argentina como La Paya, em Salta e identificou a cidadela e fortaleza de Tilcara, em Jujuy.   

Um comentário:

Unknown disse...

Excelente trabalho de observação do local.