Não precisamos imitar
O mirante proposto para o Parque Nacional do Iguaçu / Cataratas. Estamos imitando o "loop" do PN Everglades? |
O Shark Valley Loop - Mirante para observação no PN Everglades. Amo o Everglades mas Everglades é Everglades e Iguaçu / Iguazu é Iguaçu |
O ICMBio gostaria que a gente pensasse em visitar o Parque Nacional do Iguaçu em vez de visitar as Cataratas, quer dizer mudar o esquema!
Entendo a dificuldade do ICMBio em relação ao Parque Nacional do Iguaçu e as Cataratas. Desde a primeira reportagem internacional sobre as Cataratas em 1906 na National Geographic e um pouco antes em 1901 na Exposição Panamericana em Buffalo (NY), o mundo vibrou com as Cataratas (link para pesquisadores). A manchete da Exposição foi parecida com “Descobrem maior Cataratas do Mundo na Argentina”.
O Tenente Edmundo de Barros, mais tarde capitão, administrador da Colônia Militar do Iguassu ficou muito bravo. Segundo o mapa que ele já tinha feito a Argentina não iria ter nada de Cataratas. Ele chegou a publicar notas e fazer palestras no Rio de Janeiro, então nossa capital, quase chamando a galera que negociou as Cataratas do jeito que está de “traidores” e chamou de "aventureiros".
Em 1916 veio o “lance” de Santos Dumont e seu encontro com o governador (na época presidente) do Paraná Affonso Camargo, pai de Alípio Camargo e avô daquele que em vida foi senador e deputado federal várias vezes, também chamado Affonso Camargo, sobrinho da dona Flora Camargo Munhoz da Rocha (isso que é sobrenome!). No mesmo ano saiu o decreto para a desapropriação das terras ao redor das Cataratas. Só em 1939, foi criado o Parque Nacional do Iguaçu pelo presidente Getulio Dorneles Vargas.
Mas tem uma data que passa batida. Foi em outubro de 1931
quando após a chegada ao poder um ano antes, Getulio despediu o governador do
Paraná e colocou o general Mário Tourinho para governar o estado como
interventor. Uma das primeiras ações do General Tourinho foi separar 4 mil hectares de
terra tomadas de volta de empresa que se comprometeu e não cumpriu o contrato para fazer um ramal "Ferroeste" entre Guarapuava e Foz do Iguaçu (Tanto a ferrovia, Foz do Iguaçu e tocador de obras tinham outras realidades e nomes). As terras separadas pelo General foram usadas para juntá-las às 1.800 hectares originais das Cataratas e aumentar o tamanho do "Parque Nacional de Foz do Iguaçu" que só sairia em
1939. Não esqueça, Foz do Iguaçu, na época, ia do Porto Meira a Guaíra, isso só na área que beira o rio Paraná.
Mais tarde vieram mais acréscimos de terra. Mas uma coisa não mudou: ninguém falava em Vamos visitar o Parque Nacional do Iguaçu. Todos diziam vamos a Foz visitar as Cataratas e depois vamos ao Paraguai e Argentina. Mais tarde entrou Itaipu na lista das visitas.
No fundo ninguém estava e nem está nem aí para o Parque Nacional do Iguaçu. A coisa continua a mesma. É aí onde entra o ICMBio que gostaria de fazer a mudança. É por isso que a licitação é oficiosamente chamada de Licitação do Parque Nacional do Iguaçu, em vez de Licitação da Estrutura de Visitação às Cataratas. Temos mais de 180 mil hectares e o turista só vê alguns quilômetros quadrados ao redor das Cataratas.
A licitação quer mudar isso fazendo com que os turistas se espalhem e vejam os diferentes polos de visitação ao redor do Parque. O que acontece, e aí está o erro: não averiguar primeiro se esse turismo e esse turista existem. O modelo que desejamos implementar é copiado do Sistema de Parques Nacionais dos Estados Unidos.
Estados Unidos e Brasil são diferentes. Primeiro demos crédito: o país inventou a ideia de parques nacionais do mundo e antes do que qualquer outro país produziu uma leva de escritores, naturalistas e poetas como Henry David Thoreau (1817 – 1862), Ralph Waldo Emerson (1803 – 1882), John Muir (1838 – 1914) e Aldo Leopold (1887 – 1948). Eles conquistaram a mente do público com as imagens dos grandes espaços a serem preservados para futuras gerações podendo ser usufruídos pelas populações atuais conseguindo assim sensibilizar Washington.
Aí entra a primeira diferença pé-no-chão, entre Brasil e Estados
Unidos: o carro. Sem carro não existiria americano. Por isso quando se fala de
cobrar entrada ou ingresso (ao público americano), lá, o preço é calculado não por
cabeça ou por pessoa mas por carro, motocicleta, vans de até certa capacidade e
ônibus. Há tarifa também cobrada "por bicicleta" e
(exceção) por pedestre.
Outra diferença: o ingresso vale para múltiplas entradas e por isso é chamado de passe. Há passe de um mês, anual e para toda a vida. Os idosos americanos estão em pé de guerra por que o passe anual vitalício custava US$ 10 para adquiri-lo e agora saltou para US$ 80. Não falta, “press releases” explicando que o preço não mudava há 20, 30 anos.
O simples casamento entre americanos e seus carros provocando congestionamento nos acesos a todos os parques nacionais é algo que o PNI tentou evitar com a proibição de veículos particulares, carros de empresas, de turismo privativo e a implantação do transporte único que existe atualmente. Como o turista com seu passe vai chegar às diferentes bases ou polos do Parque Nacional do Iguaçu?
Somos mais capitalistas (ou vamos com mais sede ao pote)
Vejo que o Sistema de Parques Nacionais Americanos é
menos capitalista que o Brasileiro. Tome por exemplo, o Parque Nacional Everglades, onde um ônibus com capacidade com
26 passageiros ou mais paga uma tarifa de US$ 200. Digamos que você organizou uma
excursão e está levando 30 pessoas. Divida US$ 200 entre 30 pessoas. Quanto dá? Mixaria!
Quando o ICMBio fala em entrada de R$120, estará falando em um ingresso tipo passe que tenha validade de sete dias, por exemplo, para que você possa visitar o Polo Cataratas? O Polo Capanema? O Polo Céu Azul? E bicicletar ou andar nas trilhas? Se for como nos Estados Unidos, o ingresso não inclui nada. É aí onde entra a preocupação do turismo e de toda a estrutura de apoio.
Não precisamos imitar
Ou melhor, não dá para imitar. Tomemos, de novo, o Parque
Nacional Everglades localizado na Flórida com mais de 600 mil hectares. Ele tem
três entradas cada uma com um Centro de Visitantes. O primeiro é o Centro de
Visitantes Shark Valley na Grande Miami; o segundo é o Gulf Coast entrada pela
cidade Everglades (City) às margens do golfo do México e o terceiro o Flamingo Visitor Center na cidade de Homestead.
A entrada pelo Shark Valley é a que possui uma estrutura chamada Shark Valley Loop, “loop” é como uma volta folgada em um cordão antes de apertar o nó. É muito similar à estrutura que o projeto do ICMBio pretende construir como “mirante” nas Cataratas do Iguaçu em algum lugar, possivelmente, entre o antigo Heliporto (Mirante I) e o mirante em frente ao Hotel das Cataratas, (Mirante 2).
Na categoria ciclistas e pedestres entram mochileiros, trilheiros, ciclistas em viagem. Inclui também observadores de aves e pássaros (tem diferença), fotógrafos da natureza, caiaquistas, canoistas de passeio (não estamos falando em desportistas de águas bravas), campistas de barraca. de motorhomes e até pescadores entre outros que podem usar os setes dias se hospedando em campings, pousadas, hotéis nas cidades do entorno. Agora passemos à informação tarifária.
Tarifas oficiais (ingressos/entrada) para entrar no PN Everglades.
Carro particular ou embarcação: $30.00
Motocicletas: $25.00
Pedestre /Ciclista/embarcação a remo: $15.00
Válido por sete dias em todas as entradas do Parque. Para pessoa individual que entra a pé ou bicicleta. Visitantes com 15 anos ou menos são admitidos gratuitamente!
Õnibus e vans não comerciais
Para grupos não-comerciais (igrejas, escoteiros, grupo de jovens, clubes etc viajando em veículos acima de 16 pessoas pagam $15/pessoa.
Entrada para empresas comerciais
Define-se um tour comercial como pessoas viajando em um itinerário-pacote, cotado ou vendido para propósitos recreacionais por uma organização que retira ganhos financeiros ao providenciar o serviço. A entradas são cobradas Segundo a capacidade do veículo. A entrada comercial é válida por 7 dias desde que os passageiros sejam os mesmos.
Ônibus (26 ou mais passageiros): US$200.00
Micro ônibus (16 - 25 passageirsos): $100.00
Van (7 - 15 passageiros): US$75.00
Veículo privativo de turismo (1-6 passageiros): US$25.00 pelo carro mais US$15 por cliente
Passe anual: US$55.00
Este passe anual é válido por 12 meses a partir da data da compra e vale para visitas ilimitadas ao Parque.
Camping selvagem (Sweetwater Chickee wilderness campsite) Ótimo para fotógrafos e observadores da natureza. Para ficar aqui cobra-se uma taxa administrativa de US$25 e mais US$ 2.00 por pessoas por dia (foto Jane Gamble / NPS) |
Há muitas outras diferenças entre a realidade brasileira e a americana. Poderemos voltar ao assunto se houver necessidade.
Na foto de Jane Gamble. mais uma imagem do camping selvagem. O casal que aí está acampado pagou US25 para manter a estrutura mais US$ 4.00 ou dois por cabeça por dia |
In Memoriam
Esta nota é dedicada a James Kenneth Nesbitt, de Clewiston (FLA), um daqueles pilotos de capoeira (bush pilot) que só a Flórida produz, morto em acidente com seu Piper Cub nas proximidades do PN Everglades em 23/02/1990. Com ele estava Angela Atkinson, 15 anos, de uma família amiga de Fort Myers também na Flórida. O piloto veterano me encantava com suas histórias e aventuras no complexo de reservas, parques, capinzais e água na Flórida - que é, muito mais que Miami, Orlando e a Disney (pronto protesto feito). Uma das histórias dele foi uma que lamentava o cancelamento de um voo, porque, enquanto ele ia buscar o cliente, uma vaca comeu parte do tecido da fuselagem do avião (por causa da laca usada). Grande Ken!
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