sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Assimetrias na Trifronteira quanto à visão dos Habitantes Originários (Só Foz do Iguaçu não tem nada guarani a oferecer)

Feira Yhary no Parque nacional Iguazu, Argentina. Espaço para comunidade mbya vender artesanato

 

Esta "escrita" é uma continuação à publicação "Esmola nos semáforos: não são crianças de nacionalidade paraguaia ou argentina. Foz precisa de uma Casa de Passagem Indígena (CAPAI)" 

Por Jackson Lima

Preciso ajuda das universidades, faculdades, acadêmicos e interessados no assunto. Olhemos para a Lenda das Cataratas. Nela aprendemos que uma tribo Kaingang morava às margens do baixo rio Iguaçu no local onde ocorreu o afundamento do chão com a consequente criação do cânyon por causa da ira de Mbói ao sentir que foi enganado por Tarobá que roubara Naipi.

Ora se o nome da divindade serpente mítica era Mboi (palavra guarani que significa serpente) e o herói Tarová também tem nome guarani (Tarobá, significa louco) como eles eram Kaingang? Os idiomas guarani e Kaingang são tão diferentes um do outro quanto o português é do húngaro. Às vezes na minha pressa já que não sou antropólogo, linguista ou acadêmico vejo aí uma manobra consciente de tirar o "ser guarani", a "pessoa guarani", a "raça guarani" da paisagem, de tirar o povo guarani da cena como se desejassem afirmar que Foz do Iguaçu nunca teve nada a ver com guarani. Como se o guarani daqui fosse um intruso que vem do Paraguai. E que antes da colonização eram os kaingang os donos da terra.

De novo na minha pressa até porque a vida é curta, destaco um fato: não há nada em Foz do Iguaçu, e no "Oeste do Paraná da Mata Atlântica", que tenha nome em língua kaingang. Tudo é guarani. Mba'erarepa? Por quê. Campo em guarani é "Ñú". Campo em kaingang é "re" ou erê. Não tem nada de região de Mata Atlântica dos lados brasileiro, paraguaio ou argentino das Três Fronteiras que tenha o nome de "campo", até porque a selva não deixa existir campos. Na geografia, os nomes de cidades dão uma dica da área com influência guarani ou influênciua kaingang. 

No caso dos Kaingang e as Cataratas me atrevo a dizer que caso os kaingang fossem os donos das Terras das Cataratas, as Cataratas se chamariam "Ngoi Mbangue"   ou "Ngoio Mbangue" (Ngoi = Água e Mbangue = grande) em vez de Iguaçu (Y = Água e Guasu = Grande).  

Confira nomes kaingang em cidades do Sul do Brasil. 

Goio-Erê, Candói, Goioxim, Chagú, Dorim, Crim, Cantú, Cherê, Condá, Jembrê, Pandói, Virí, Cambé, Xapecó, Xanxerê, Xaxim, Chimbangue, Campo-Erê, Goio-en;  Erexim, Erebango, Nicafin, Ventarra. Sentiu o sabor diferente dos nomes Kaingang? (Fonte: Portal Kaingang - A língua Kaingang, Wilmar da Rocha D’Angeli): 

Agora confira nomes guarani em cidades do Paraná:

Andirá, Araponga, Assaí, Cambará, Curitiba (Kuri'ytyva), Guaíra (kûá-y-rã), Guaraniaçu, Guarapuava. Ibati, ibiporã, Iguaçu (Foz, São Miguel, Nova Aurora etc), Irati, Ivaiporã, Jaguapitã, Jandaia, Mandaguari, Paranaguá, Paranavaí, Piraí, Porecatu, Tamandaré, Ubiratã (Fonte de Ricardo Tupiniquim Ramos)

 Abrigo para observação de Aves parte do turismo guarani na Aldeia Barulho das Águas (Yryapu) em Puerto Iguazu Argentina parte do Projeto Mate de geração de rendas e da Escola de Selva 

Assimetria Guarani na Fronteira

Assimetrias é quase sinônimo de diferenças. Ao passo que a sociedade iguaçuense foi adestrada para acreditar que o guarani em sua terra é um estrangeiro, ao ponto de vereadores (e não é a primeira vez) pedir controle, mão de ferro contra os índios que enfeiam a cidade, há diferentes tratamentos legais no Paraguai e na Argentina. 

Primeira assimetria:

O Parque Nacional do Iguaçu com sede em Foz do Iguaçu tradicionalmente desconhece a existência do guarani em ralação ás Cataratas do Iguaçu. Parece seguir a cartilha das Cataratas Kaingang. No lado argentino o Parque Nacional Iguazu tnão só reconhece a influencia tradicional guarani na cultura das Cataratas, como mantém e apoia diversos programas. Um deles se chama Feira Yhary. A Feira funciona todos os dias em uma estrutura ampla e confortável onde os mbya guarani exibem e vendem o artesanato produzido em várias aldeias da cidade e de Misiones.  

A assimetria é mental. Se no lado argentino do rio o território é guarani, por que no lado do Brasil o território "era" kaingang? No relato de Cabeza de Vaca quando a expedição dele liderada pelos Guarani desde Santa Catarina chegou à foz do rio Iguaçu, tal expedição foi recebida por guaranis das duas margens do iguaçu e da margem em frente à foz (Paraguai) e daí a expedição seguiu para Assunção.   

Outra assimetria 

Está em pleno processo de implementação de uma Trilha (Sendero) Guarani dentro do Parque Nacional Iguazu que será co-gerida com o Parque Nacional. Não confundir a Trilha Guarani com as trilhas existentes hoje e concedidas à iniciativa privada como o Sendero Yacaratiá, Sendero Macuco e Sendero Verde. Participaram em uma reunião para finalizar os preparativos caciques (Mburivuchá, ou morubixapa em nosso sepultado tupi antigo) de toda a Província de Misiones para que o projeto seja replicado. Vai começar um curso técnico para indígenas e não indígenas (comportados) para trabalhar a trilha.  Muito em breve, o trade terá mais um produto para vender ao nosso público. 

Ñuha rape - Trilha (Sendero) das Armadilhas (trampas). Trilha gerida pelos mbya-guarani com a Fundação Bertoni

Guarani do Bertoni

Os Mbya guarani de Puerto Bertoni, podem traçar sua ligação ao local desde a época de Moisés Bertoni. Hoje, as terras onde está o Museu Moisés Bertoni são um Parque Nacional na categoria Monumento Natural segundo a nomeclatura das áreas de proteção do Paraguai. A proteção, a vigilância ´pertencem ao Serviço de Parques Nacionais. Mas dede 2015, a administração física do Museu além da visitação turística ficou a cargo da Fundação Bertoni. Por isso vale a pena fazer o passeio também por terra cujo acesso se dá pelo Centro de Visitação do Monumento Científico, onde há lugar para sentar, tomar um suco, comprar alguns produtos exclusivos, e voltamos às trilhas, poder percorrer tanto a trilha que leva do Centro de Visitantes até o Museu às margens do rio Paraná, como fazer uma trilha com acompanhamento de monitores e guias mbya guarani. 

Trilha (Sendero) do Pinheiro (kuriy - primeira parte da palavra "Curitiba"). Caminho também usado pela comunidade Mbya

Como vemos, só o lado brasileiro não tem nada indígena a oferecer. Esta terrível assimetria tem que ser trazida à mesa de discussões das autoridades dos três países. Quando um mbya se desloca nas três fronteiras não se trata de migração. Trata de "mobilidade" de um povo com uma identidade diferente do povo que a cerca em todos os sentidos. E comunidades assim existem e resistem do Alasca à Patagônia via Darién e Chocó, Amazônia, desertos, Cerrado, Caatinga, litoral, Mata Atlântica, Altiplano, Chaco, Pantanais, Yungas, Punas e Cordilheiras de Alta Montanha.  

Para saber mais

Estudantes, pesquisadores e curiosos podem aprofunda a discussão sobre o turismo na fronteira pelo trabalho de pós-graduação de Aracelli Bianchin do Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina da Unila

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