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Vista das Cataratas do Iguaçu, na aproximação ao primeiro mirante (na realidade segundo) em frente ao Hotel das Cataratas, Foz do Iguaçu * |
"A geologia está por toda a parte ao nosso redor e embora quase não notemos no dia a dia, ela afeta tudo o que fazemos como civilização, como sociedade e como indivíduos. Preservando registros de criaturas e paisagens tão antigas como esquecidas, nossa história está escrita em pedra aguardando para ser lida" ─ Jack Share em seu Blog de divulgação de geologia e paleontologia
Dizem, os entendidos, que não existe uma geologia das Cataratas. Que o que existe é a geologia da Terra e que como parte da terra, para entender as Cataratas, é necessário entender a Terra.
Por isso para contar a história das Cataratas, geralmente o contador desta história tem que falar da Rodínia, da Pangea, da Gondwana, da abertura do Oceano Atlântico, da separação da América do Sul e da África e dos derrames de lava do período cretáceo. Isso dá mais de um bilhão de anos. Vamos fazer tudo isso aqui também. Mas vamos inventar tentando começar do fim. Começando de você em sua visita às Cataratas.
Um moderno barco subindo um rio ao lado de rochas que a natureza levou dezenas de milhões de anos para esculpir |
Você está a bordo de um barco que faz o passeio chamado Macuco, pelo lado do Brasil das Cataratas e Gran Aventura pelo lado argentino do Parque Nacional Iguaçu / Iguazu. De dentro do barco, você vê águas caindo de ambos lados da embarcação. O barco navega sobre águas rápidas e violentas no meio de um corredor ladeado por paredões de pedra.
─ Pedra não. Não existe pedra, o que existe é rocha, diria qualquer geólogo.
Primeira lição, a ficha caiu. Mas não é qualquer rocha. Se chama basalto. Basalto é lava de vulcão resfriada ao ar livre, em contato com o vento e água. Portanto o basalto é uma rocha vulcânica. Dizer que a rocha das Cataratas é vulcânica ajuda a contribuir para a confusão. Se a rocha é vulcânica, onde ficava o vulcão que explodiu? Resposta: em lugar nenhum. Não era um vulcão desses que tem forma de cone, explode e a lava desce pelas paredes levando tudo que encontra pela frente.
O vulcanismo que gerou as rochas das Cataratas e de mais da metade do Paraná se chamava "vulcanismo de fissura". Fissura quer dizer fenda, rachadura. A terra rachava e a lava jorrava para a superfície. Cada jorrada de lava era chamada de derrame e os derrames aconteciam em diferentes camadas. Os geólogos sabem extamente quantos derrames foram e cada derrame tem uma idade e um nome.
Rafting - descida a vários remos, em botes flexíveis, para aproveitar a visão de perto das rochas erodidas e trabalhadas por forças "nativas" como a água, o vento, a areia. Tudo provoca um efeito rico em adrenalina para aqueles que se encontram na situação acima: não tenha pena deles! Amplie a foto e observe o formato hexagonal da rocha "formato coluna", indicado pela flecha amarela. Em alguns lugares como neste Patrimônio Mundial este formato predomina (Marcos Labanca/Macuco) |
Antes
de entrar nessa história de basalto colunar, vamos destacar que Serra
Geral não é o nome de uma Serra e nem de um lugar. É o nome de um daqueles
derrames, uma formação geológica que cobre mais de 1 milhão de quilômetros quadrados no Centro Sul do Brasil e adentrando o Paraguai, a Argentina e o Uruguai.Outros exemplos de lugares na formação Serra Geral com beleza de cair o queixo incluem a Serra do Rio do Rastro (SC) que tem, no topo, as mesmas rochas das Cataratas "montadas" sobre outras 16 formações diferentes visíveis e identificadas por marcos para quem se dispuser a ver. Há 17 marcos mostrando as diferentes formações ou camadas geológicas diferentes.
Vamos jogar lenha
nessa fogueira e dizer o seguinte: olhem bem para as rochas para ver que
os padrões da geomorfologia das Cataratas são de construção simples. Simples? Como dissemos que geologia é coisa do planeta inteiro, não
é a complexidade da colunas de basaltos (ou basalto colunar) que dá notoriedade (fama) à formação rochosa
das Cataratas.
Monumento Nacional Devils Postpile (Califórnia, EUA). É ou não é um "pavão" do mundo rochoso? |
Há diversos lugares no mundo com rochas basálticas colunares e que se exibem muito mais do que as rochas das Cataratas. São uma espécie de "pavões" do mundo rochoso. Tomemos como exemplo a formação rochosa conhecida como Devils Postpile na Califórnia (acima), um cenário de disjunção basáltica protegida pelo Serviço de Parqes Nacionais (SPN) dos EUA sob a categoria de Monumento Nacional. Ou, ainda nos Estados Unidos e também protegido, a Torre do Diabo onde ocorreu, pelo menos para o cimena, o primeiro Contato Imediato de Terceiro Grau entre humanos e extraterrestres.
Detalhes do basalto colunar na Cachoeira Negra (Svartfoss) na Islândia. Foto de Regína Hrönn Ragnarsdóttir (Este link abre portas para o mundo basáltico da Islândia registrado pela travel blogger e contato local Regína Ragnarsdóttir. Em inglês) |
A Europa possui ainda vários exemplos na Irlanda, Sicília e Portugal. No Paraguai existe um bom exemplo de disjunção colunar só que formado em região de arenito. É conhecida como Cerro Kõi próximo a Assunção. Cada um exibindo formas de diferentes modelos que faz a festa dos olhos de profissionais e turistas de todo o mundo.
Um bom exemplo de disjunção
colunar na família das cachoeiras é a Cachoeira Svartfoss
no Parque Nacional Vatnajökul na Islândia. Igual a "Iguaçufoss", a
Svartfoss (já manjou? "foss" em islandês significa "falls" ou cachoeira)
está situada em terras negras basálticas vulcânicas daí vem o nome da
cachoeira: Svart (Negra) foss (Cachoeira). Preste atenção no formato das colunas que lembram esculturas humanas aprimoradas como os tubos de órgãos clássicos presentes em grandes igrejas ou catedrais.
A essa altura você já entende por que dissemos que o formato das colunas basálticas das Cataratas do Iguaçu não parece tão complexo como as de outros exemplos no mundo. Dito isto, vamos agora nos concentrar nos paredões das Cataratas do Iguaçu.
Basalto Colunar nas Cataratas do Iguaçu
Trecho do paredão entre a extremidade da Ilha San Martín e os Saltos Mosqueteiros. Ótima exposição de basaltos colunares. As rochas estão sendo observadas a partir do lado brasileiro |
No final de 2020, publiquei uma série de postagens (uma é esta) pedindo socorro aos geólogos do mundo para ajudar a entender o formato das rochas dos paredões das Cataratas do Iguaçu. Não obtendo resposta via blog, passei a contatar geólogos que estiveram nas Cataratas do Iguaçu e que escreveram alguma coisa sobre suas viagens. Na pesquisa se destacaram os geólogos Jack Share e Wayne Ranney, ambos dos Estados Unidos da América. Comecei acompanhando Ranney e seu blog sobre suas viagens e observações geológicas. Ambos mantêm blogs, fazem palestras e trabalham com a divulgação da geologia planetária. Jack Share me respondeu.
Lendo o material de Jack Share sobre a viagem às grandes manifestações geológicas no Cone Sul tendo com um pré-tour às Cataratas, descobri, com alegria, que Wayne e Jack vieram juntos. Na expedição organizada por uma agência de turismo ligada à sociedade e revista Smithsonian, havia ainda outros geólogos conhecidos. A viagem ocorreu em 2017. A postagem super completa sobre a geologia do planeta onde estão as Cataratas, é dedicada por Jack Share a Wayne Ranney, "quem me ensinou a apreciar o que eu posso ver e o que não posso", afirmava. A viagem contou com a presença de um guia de turismo local de Puerto Iguazú, chamado Eduardo. Enviei o link das minhas fotos a Jack Share. Ele respondeu (ao pé da letra):
"O que estou vendo em suas fotos, as várias imagens, etc., da fachada vulcânica exposta das cataratas é o resultado da erosão diferencial e perda (wasting) de massa na escarpa da província ígnea.
Como você sabe, existem muitas camadas de derrames de lava separados por vários hiatos em posicionamentos tipificados por paleossolos, solos sedimentares e contatos intermediários (inconformidades) entre os derrames. Esses horizontes intermediários são mais suscetíveis à erosão do que os derrames de lava que os sobrepõem. Além disso, as juntas e falhas na massa de lava encorajam a erosão e o colapso da sobrecarga sobre elas (ver overhangs).
As
imagens que você retrata são criadas por um somatório de todas essas
forças que trabalham em conjunto além da erosão superficial induzida
pela vazão (fluxo) de água e a carga arrastada por ela e o
enfraquecimento (solapamento) nas piscinas (poções) nos pés das quedas (onde mergulham)". Em seguida vejamos alguns dos termos que o professor Share usou:
Linhas e falhas
Overhangs, que são?
Parecem com cavernas e podem até ser. Ao discutir cachoeiras e Cataratas os geólogos de fala inglesa chamam essa estrutura de "overhang", ou seja que "Pende sobre", sobre o quê? A cabeça. Seria uma espécie de beiral, aba, alpendre ou teto. Os dois beirais que aperecem aqui nas fotos logo abaixo, não são similares a um puxado como aqueles que fazemos em casas e construções. Eles são obras da água. A água cai do topo do leito superior da cascata e se concentra na excavação de poços enormes que por sua vêz mandam esta água de volta para cima e contra a parede. A água caí em verdadeiros piscinões que provocam um vórtex poderoso que começa a comer a rocha por baixo e escavar o que parece com uma caverna.
Todo
este movimento diário e milenar causa o solepamento da estrutura e pode
causar o desmoranamento dos "overhangs" (beirais) localizados em áreas
de rochas mais frágeis. Esse processo acontece em todos os saltos que
ao lançarem-se para o rio caem antes em diversos poços de mergulho. O desenho a baixo, feito de meu próprio punho (pode rir), mostra parte da mecânica dos saltos. Primeiro vemos uma estrtura como um teto formado por rochas duras como o basalto ou o geranito (nos caso das Cataratas do Iguaçu, o basalto) que se sustentam em cima de uma estrurua de rochas mais brandas. A água ao cair, do topo em direção à base do salto, cava uma piscina onde a água mergulha. A água nessa "piscina", tem energia suficiente para corroer a parede de fundo criando uma espécie de "abrigo". Vários abrigos desses podem ser vistos nas Cataratas do Iguaçu e nas fotos abaixo. Os abrigos e a piscina suportam um peso impressionante que varia segundo a vazão de acordo com a estação quer sejam seca ou de chuva quando acontecem as grandes cheias alguma com vazões superiores a 35 mil ou 40 mil metros cúbicos por segundo. Com o passar do tempo, essas cavernas podem desabar pelo processo de solapamento criando uma nova paisagem.
As rochas das cataratas ajudam a emoldurar fotos de visitantes, mesmo que a maioria nem note a existência delas |
Visitante das Cataratas em foto que mostra parte do paredão e o "amontoamento" de rochas na base dos saltos, no cânion e já às margens do rio Iguaçu; |
"Amontoamento" de rochas e formatos como a "pirâmide" (centro) e o "lagarto" (esquerda) |
Para comparar: disjunção colunar em área de arenito no Paraguai: Cerro Kõi (wikipedia) |
Em algum lugar, daqui a muito e muito tempo:
Duas estradas bifurcavam numa árvore,
Eu trilhei a menos percorrida,
E isto fez toda a diferença".
Para encerrar: título esquecido
Todo mundo sabe que as Cataratas tem o título de Patrimônio Mundial como parte integrante do Parque Nacional do Iguaçu e uma das Novas Sete Maravilhas do mundo natural. Mas, ainda falta uma categoria. Qual é? Vejamos as categorias:
Categoria
1 ─ O Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná (Brasil) e o Parque Nacional
Iguazú em Misiones (Argentina) estão na lista do Patromônio Mundial na
categoria Natural, mantida pela UNESCO como parte da Convenção Mundial
para a preservação do Patrimônio da Humanidade. É coisa de governos,
mais de 170 assinaram. Patrimônio da Humanidade é um dos títulos que
envolvem as Cataratas e os Parque Nacionais que as protegem.
Categoria
2 ─ Desde 2011 as Cataratas do Iguaçu estão na lista das Novas Sete
Maravilhas (N7M) do Mundo (Categoria Naturais). O título é fruto de uma
votação global que envolveu milhões de pessoas em todo o mundo. Esta
campanha pertence ao mundo do marketing. As Cataratas e mais sete
grandes atrações globais fazem parte de uma família. A ideia é que um
dia os turistas comecem a organizar viagens que permitam conhecer todas as
sete maravilhas localizadas em diferentes continentes. Lembremos que antes do concurso das N7M naturais
ocorreu o concurso das N7M culturais. O Cristo Redentor no Rio de
Janeiro é um dos vencedores na categoria "cultural".
Categoria 3 ─ Cataratas do Iguaçu como um Geossítio Brasileiro. Com esta postagem quero chamar a atenção para esta categoria "ignorada" pelo brasileiro.
A categoria pertence ao cadastro da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleogeológicos (SIGEP). Segundo a Comissão, as Cataratas do Iguaçu é um Geossítio Brasileiro e faz parte do sistema brasileiro de geoparques. Como o leitor sabe, as Cataratas do Iguaçu e Parque Nacionais andam juntas. Assim, para a SIGEP o geossítio Cataratas do Iguaçu é um lugar de grande "geodiversidade" (anote esta palavra/conceito) e é um local chave para o entendimento da história e da dinâmica da vida na terra desde sua formação até hoje. Hoje já sabemos que há necessidade de preservação da fauna, da flora, da água e como geossítio da necessidade da "geopreservação" (outra palavra/conceito).
Este material é parte da minha colaboração no sentido de ajudar o destino turístico anotar a necessidade de se preparar para atender ao turiststa com interesses mais geológicos já que o geoturismo está pedindo licença para entrar em nossos destinos e o Paraná é um dos estados que já tem planos e estrutura para trazer o Patrimônio Geológico do Paraná e seus três planaltos ao alcance daqueles que viajam para conhecer o estado. Tudo isso será necessário para a geoconservação do Paraná e evitar que aconteçam coisas como a proposta de diminuição da área de proteção de nossa Escarpa Devoniana, diminuição de Parques estaduais ou nacioais entre outras ideias não mui sábias.
Este sou eu, "catarateando" nas Cataratas do Iguaçu, observando as rochas à procura de coisas escondidas. Sempre aparecem! |
1) Agradecimentos ao Dr. Jack Share que arranjou um tempo para responder as minhas perguntas. Para um geólogo, não há misterio nenhum nos paredões das Cataratas o que valoriza o fato dele se dispor a responder perguntas de um jornalista generalista curioso. Agradecimento pela existência da internet e com elas todos os geoblogueiros que estou conhecendo, muitos envolvidos com o turismo ou geoturismo.
2) As fotos das Cataratas aqui são de Marcos Labanca para o Macuco Safarí. Se não houver indicação são minhas especialmente as dos paredões, grutas e amontoamentos de rochas.
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