sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Uma outra versão da Lenda das Cataratas publicada em texto de Silveira Netto (1914) Parte II

Mboi entre Tarobá e Naipi. Escultura no Marco das Três Fronteiras

Discutindo a Lenda das Cataratas - Segunda Parte

Esta é uma versão da Lenda das Cataratas encontrada em uma publicação do acervo da Biblioteca Pública de Foz do Iguaçu, até agora para mim sem data e identificação e que tem a seguinte introdução:

"Para explicar os fenômenos da natureza os índios não se dedicam à investigação científica. Preferem atribuir tudo a misteriosos poderes de divindades ou seres mitológicos diversos, criados por sua própria imagina ção, dai nascendo histórias fantásticas. Para explicar a formação das Cataratas do Iguaçu, os índios inventaram uma lenda em tempos que ninguém sabe precisar, mas que passou de geração em geração e que conservou o enredo essencial apesar dos diferentes matizes introduzidos por aqueles que reproduzem a estória.

A versão que aqui apresentamos é narrada pelo escritor Silveira Netto, em sua obra "Do Guaira aos Saltos do Igauçu", escrita em 1914, após uma viagem que fez a esta região, No relato de Silveira Netto os nomes das personagens são Naipir e "Carobá, ao invés de Naipi e Tarobá como são conhecidas hoje".

Mas é possível que a fonte de Silveira Netto tenha sido o viajante basco Florencio  de Basaldúa, a serviço do Instituto Geográfico Nacional (Argentina) e  autor do livro "Pasado, Presente y Porvenir del Territorio de Misiones" (página 163, 1901).

A introdução brasileira da lenda de Basaldúa diz:
"O escritor argentino Basaldúa* conta, em sua narração da viagem em que fez pelo seu país à grande cachoeira: Uma noite, enquanto palestravam, sentados à beira mesmo da grande catarata de Carobá, cataratas que alguns denominam "União Argentina-Brasileira", um velho índio, Yaru, da peonada que estava ao meu serviço, referiu-nos a lenda de Naipir, tal qual a referiam seus pais, e de geração em geração a conservam em sua tribo. 

Destaques: o índio era peão (mesmo elemento destacado por Laurindo Ortega), o nome dele era Yaru! O nome União Argentina-Brasileira para as Cataratas (denominada por alguns). O nome Tarobá e Carobá e Naipi é Naipir.     

* Florencio de Basaldúa (1853-1932). Foi publicado um livro em 2021, do autor basco Kepa Altonaga chamado "Euskal-Berria: Florencio Basaldúa: un vasco en la Argentina no qual Balsadúa é um personagem histórico. Nascido em Bilbao, País Basco (Espanha), ele sonhou com uma colonização basca na Patagônia.Daí o nome Euskal Berria (Novo Basco) do livro.  Ele é mencionado como basco-argentino, hispano-argentino ou no Brasil somente como argentino. Engenheiro, ele escreveu dois livros, em missão especial,  sobre Misiones. Ele foi hóspede da Colônia Militar do Iguassu e registrou a existência de uma placa indicativa de uma picada que mostrava a direção do futuro Parque Nacional do Iguaçu. Ele atribui a placa possivelmente à iniciativa do comandante da Colônia, capitão Edmundo Xavier de Barros. 
 



Agora sim, a Lenda:

Muitas vezes, dizia, tem girado a Lua ao redor da terra, desde que a catástrofe aconteceu. “As matas que cobrem o vale e os morros do I-Guazú ainda não haviam nascido, apesar das grandes árvores do mato terem troncos que dez homens não podem abraçar, porque viveram mais de mil anos enraizados na Terra.

“Outras florestas maiores que as de hoje, embelezaram a terra com suas flores e seus frutos quando Naipir nasceu, Naipir a bela, filha de Mboí, o grande Pajé, em cujo templo vivia o Deus-Serpente que governava o mundo, como agora o Deus-Canhão e o Deus-Ouro governam a raça dos homens brancos.

“Naipir era bela e, além de bela, era virgem e jovem, e o Deus-Serpente a quis para si, para seu culto, e a consagrou solenemente e a trancou no templo, como os Pajés de sua raça prendem donzelas inocentes para ajudá-las a realizar os mistérios de sua religião.

“Carobá, jovem guerreiro e cacique de sua tribo Kainagaingá, apaixonou-se pela bela Naipir, porque Carobá era forte, saudável e corajoso, acima de todos os moços ao redor.

“Na noite da consagração da donzela, enquanto os velhos pajés e os caciques presentes no banquete esvaziavam  grandes cuias desbordantes de espumoso licor, Carobá arrebatou a bela Naipir e fugiu com ela em pequena piroga arrastada pela rápida corrente das águas.

“Quando o Deus-Serpente, acordando depois de uma longa e sonolenta digestão, viu que a virgem Naipir havia fugido do templo, e alertado pelo pelo rumor do rio cujas águas golpeavam a "pagaya" (canoa) de Carobá, - que a bela virgem estava fugindo com seu amado, tomado de raiva e ávido de vingança, contraiu os anéis de seu corpo que ele esconde nas entranhas da terra, e a crosta, rachada instantaneamente, produziu essa terrível catarata.

“Naipir se transformou em uma rocha insensível que o fogo subterrâneo aquece incessantemente, como o amor aqueceu seu coração no amor, e as águas torrenciais do grande rio saltam sobre seu busto, desde então, para apagar os fogos de seu amor sacrílego.

“Carobá, o sedutor, foi transformado em árvore à beira do abismo, perto de sua canoa quebrada, e condenado a contemplar a imagem de sua amada, que com olhos de pedra, olha para ele, sem poder beijá-la.

“Aquela forma branca que um véu de água esconde dos olhares profanos, é Naipir que vive, que ouve, que sente e treme de desejo, mas que não pode falar.

“Esta árvore solitária que se vê no meio do rio, à beira do abismo, é Carobá, eternamente apaixonado pela bela Naipir, a quem envia o perfume de suas flores e murmura de amor quando a brisa agita a folhagem de sua coroa, mas que jamais poderá pular no colo da bela mulher que o espera.

"Debaixo de nossos pés está a entrada da caverna, de onde a serpente vingadora persegue incessantemente suas duas vítimas, e é por isso que temos medo de entrar na caverna."

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 Confira a 1ª parte, a , e a 5ª partes da discussão. 

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