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terça-feira, 3 de setembro de 2024

Como os Mbya Guarani se reinventaram após serem expulsos da Ilha Yacyretá?

Foi-lhes tirada a ilha paradisíaca, mas não o espírito de luta e de reafirmação da sua identidade como povo indígena Mbya Guarani. Esta é a história dos membros da comunidade Pindó, em San Cosme y Damián, Itapúa, narrada por um de seus principais protagonistas, o poeta, escritor, professor e jornalista indígena Brigido Bogado, fundador da primeira escola indígena da região*


Professor Brigido Bogado sob uma foto que lhe rende homenagem na escola que ele fundou. Foto de Desirée Esquivel co-fundadora do El Otro País 


Por Brigido Bogado da comunidade Mbya Pindó, 
San Cosme y Damián, Itapúa, Paraguai

Era extensa a ilha Jasy retã, na região de Itapúa, onde hoje fica a grande hidrelétrica do mesmo nome, margeada pelo majestoso, pacífico e às vezes terrível rio Paraná. Lá, o povo indígena Mbya Guarani vivia pacificamente e sem muitas preocupações.

O rio Paraná oferecia peixes abundantes e variados. A densa selva que então existia forneceu seus frutos, sua rica fauna, os remédios necessários para equilibrar a alma e o corpo, porque como diziam os opygu'a (líderes religiosos), as doenças vêm nos alertar sobre a falta de harmonia, do desequilíbrio entre a alma e o corpo.

A ilha Jasy retã (ou Yacyretá, como se escreve oficialmente, mantendo a antiga grafia do guarani, que significa 'Terra da Lua') era como a Yvy Mara'e'y, a mítica Terra sem Mal, para os habitantes Mbya , aqueles que andavam nus e também seminus, porque na mente e na alma dos Mbya não havia maldade, não havia malícia ou ideia pecaminosa de andar sem roupa. Para nós, mostrar o corpo é algo natural. O corpo tem um propósito específico, reproduzir e permitir que as gerações continuem.

Sim, às vezes você podia ouvir o mbokapu (barulho de armas), música alta, talvez comemorando um aniversário. Foi exatamente isso que se percebeu naquela época, senhores. 


80% da Ilha foi inundado. Foto Museu de História Natural do Paraguai
 (Parte do que restou são as Dunas de San Cosme y San Damián) 

(

O anúncio de uma grande inundação

No grande teko'a eram realizados os ritos, no opy (recinto sagrado) liderado pelos yvyra'ija (líderes religiosos) e toda a comunidade comparecia. Este rito foi realizado no início da primavera, época em que a Mãe Natureza se reinicia em todos os aspectos.

Os líderes religiosos pediram esclarecimento e prenunciaram o que poderia acontecer. E justamente num desses ritos anunciaram que as águas do rio Paraná subiriam muito e inundariam tudo; mas não como quase sempre acontecia, que as águas subiam e depois baxavam. O anúncio dizia que desta vez a água não baixaria mais, a inundação seria permanente e nós, Mbya, teríamos que procurar outros lugares para viver.


O anúncio feito durante aqueles ritos, segundo os líderes religiosos, falava que haveria um grande estrondo nas proximidades, como se enormes raios do céu caíssem sobre as pedras, as pedras saltassem no ar e o local seria completamente e permanentemente modificado.

E foi exatamente assim. Depois de um tempo desses anúncios, vieram as enchentes, a água do rio Paraná transbordou sobre nossas terras e não recuou. As grandes explosões ocorreram e os Mbya fugiram das águas o melhor que puderam, com nossos animais, nossas canoas e outros ajudados por alguns Juru'a (não indígena), que se solidarizaram com eles.

As obras da grande barragem começaram. Em 1973, foi assinado em Assunção o Tratado de Yacyretá, para a construção do grande projeto hidrelétrico. De acordo com as leis, deveria ter sido feito um trabalho prévio com os habitantes originários da ilha, para proceder a sua  transferência, mas tal coisa nunca aconteceu com os Mbya. Se aconteceu com muitos não indígenas, os Juru'a, que sabendo o que iria acontecer, construíram casas precárias, fizeram plantações e criaram alguns animais domésticos, para depois serem indenizados, como se fossem os antigos habitantes da ilha.

Nada disso aconteceu com os Mbya. Os membros do meu povo tiveram que deixar a ilha à força. Fomos expulsos. Algumas famílias mudaram-se para terras argentinas, onde também havia alguns colonos Mbya. Outros se estabeleceram nos arredores da cidade de Ayolas. Outras famílias partiram para San Ignacio, Santa María, San Juan de Misiones. Outros emigraram para a zona do alto Paraná e Itapúa, onde ainda existiam montanhas e territórios virgens, todos de influência Mbya. Suas rotas eram extensas e cobriam grandes áreas.

Ajuda solidária

Na década de 1980, após o início da construção da barragem, algumas pessoas se interessaram pela difícil situação de abandono em que viviam as famílias Mbya perto da cidade de Ayolas, Misiones e outros locais próximos da barragem.

Muitos dos que foram expulsos da Ilha de Jacyretá sobreviveram por conta própria, em situações muito precárias, sem ter moradia própria. Esta realidade chamou a atenção dos membros da Equipe Nacional de Missões, da Conferência Episcopal Paraguaia (CEP), organização que vinha trabalhando na assistência aos povos indígenas.

Desta forma, com autorização do então bispo de Encarnação, Dom Juan Bockwinkel, os Mbya afetados pela construção da barragem passaram a trabalhar com o coordenador da equipe, o padre Wayne Robins, a advogada Mirna Vázquez, já falecida, que era especialista em direito indígena e outras pessoas.

Da região de Itapúa, Crescencia Carísimo e o autor desta nota, Brigido Bogado, juntaram-se à equipe.

A primeira coisa que fizemos foi um censo para registar todas as famílias e pessoas Mbya que estavam na região, expulsas das suas terras e abandonadas pelas autoridades.

Muitas reuniões foram realizadas com os líderes. Muitos deles não queriam saber nada sobre como lidar com a papelada, pois diziam, a partir de sua visão de indígenas: “Ñande Ru kuery (nossos deuses) nos colocaram nestas terras para viver e nos desenvolver livremente”. Nada mais era necessário para eles.

Depois de muitas conversas, um grupo concordou em realizar os procedimentos que os membros da Equipe de Missões aconselharam a fazer junto às autoridades da Entidade Binacional Yacyretá, responsável pela construção da barragem. Foi um longo processo para eles reconhecerem que havia famílias Mbya que viviam na ilha antes da construção da hidrelétrica, que nunca foram levadas em conta, que foram expulsas arbitrariamente.

Por fim, reconheceram oficialmente 28 famílias como ex-habitantes. A EBY concordou em comprar cerca de 425 hectares de terras de dois proprietários que concordaram em vender, para localizar as nossas famílias, nos arredores da cidade de San Cosme y Damián.

Em Outubro de 1989, poucos meses após a derrubada do governo do General Stroessner, entramos nas nossas novas terras. Decidimos dar à nossa nascente comunidade o nome de Pindó, que corresponde a uma palmeira tradicional da região (nome científico: Syagrus romanzoffiana), que para os Mbya é uma planta muito especial, porque utilizamos todas as suas partes, o tronco, o folhas, os frutos, tanto como alimento como para nossas construções, bem como para fabricar implementos, utensílios, artesanato, etc.

O presidente que derrubou o ditador Stroessner, o general Andrés Rodríguez, veio visitar a nossa comunidade e nos deu o título de propriedade dos 425 hectares, com o qual conseguimos garantir que não poderiam mais nos tirar essas terras. Rodríguez também inaugurou a escolinha indígena que construímos e da qual fui o principal divulgador e o primeiro professor indígena, tanto que no início funcionou na minha casa, onde dava aula para as crianças, até que conseguimos construir uma sala de aula. Nossa escola, que cresceu muito nesse tempo, é a primeira escola indígena que começou a funcionar em todo o Departamento de Itapúa.

Grupo de Teatro Yvy Mara'e'y  da Comunidade Pindó

Uma comunidade modelo

Depois de ficarmos muito tempo sem terra, abandonados, morando de qualquer forma em qualquer lugar, finalmente tínhamos um novo lugar para construir nossa comunidade como povo indígena. Havíamos sido expulsos da nossa ilha paradisíaca, mas tínhamos novamente um lugar que era legalmente nosso, não tão grande quanto a nossa cultura exige, mas importante para seguirmos em frente.

A Comunidade Pindó está localizada a 368 quilômetros ao sul da capital Assunção, a 78 quilômetros de Encarnación, capital do departamento de Itapúa e a 18 quilômetros das cidades de San Cosme e San Damián. A estrada pavimentada que leva a San Cosme passa pela nossa comunidade.


Atualmente são 46 famílias morando em Pindó. Temos serviço de electricidade, pagamos o consumo, embora acreditemos que deveria ser gratuito para os Mbya, como reparação por nos terem expulsado da nossa casa, para a construção da barragem.

Ao lado da estrada que leva a San Cosme y Damián

Pindó vem se organizando, buscando ser uma comunidade indígena modelo no resgate de nossas tradições ancestrais, embora ainda precisemos realizar muitas conquistas. Nossas famílias se dedicam à agricultura e aos trabalhos esporádicos, já que os indígenas nunca recebem o que está estipulado na lei. 

Procuramos oferecer alternativas ao turismo, principalmente com o artesanato que nossos avós nos ensinaram. Hoje contamos com artesãos hábeis de nossa comunidade que fazem lindos trabalhos de escultura em madeira kurupika'y, cedro peterevy, folhas de pindó, além das linhas de cestaria Mbya com tiras de takuarembo, ñandypa e guembe. As amostras esculpidas em pedaços de madeira recriam figuras de diversos animais e outros objetos, que ficam expostos em barracas de vendas ao longo do percurso, bem como em feiras periódicas em locais turísticos.

Um fator muito apreciado é que os meninos e meninas de Pindó formaram um Coral e um Grupo de Dança, conhecido como Teko Marãe'y, que tem feito apresentações bem sucedidas em feiras internacionais do livro, festivais, eventos acadêmicos e turísticos.

Em nossa escola aprendemos desde a pré-escola até o primeiro ano, com professores indígenas e não indígenas. Temos muitos jovens, meninas e meninos, que estudam na universidade e trabalham no comércio. No meu caso particular, além de poeta e escritor, professor, membro da Sociedade Paraguaia de Escritores (SEP), publicando livros, pude concluir meus estudos de jornalismo na Universidade Católica de Encarnación, percorrendo os 78 quilômetros até lá e depois retornando à, comunidade, no meio da noite. Dessa forma sacrificada, em 2021 me graduei com honras, tornando-me o primeiro indígena Mbya Guarani a ser formado em Ciências da Comunicação, com ênfase em Jornalismo. Hoje me alegra fazer parte da equipe de jornalismo do El Otro País como colaborador e assessor nas questões indígenas.

O artesanato é um importante modo de preservar a cultura e ajudar economicamente 



Podemos afirmar que a qualidade de vida que os habitantes originários da Ilha Jasy Retã tinham, antes da construção da barragem, infelizmente ficou para trás, pois a extensão de terra onde hoje está localizada a nossa Comunidade já não possui as riquezas naturais que costumavam ser abundantes, como os peixes variados, os frutos abundantes das montanhas, a fauna variada e o céu imenso respirando ar de liberdade, mas mesmo assim nos organizamos para sustentar uma comunidade que busca resistir às mudanças culturais e seguir em frente, mantendo viver a nossa identidade Mbya, adaptando-nos aos novos tempos, mas sem esquecer o que os nossos antepassados ​​nos deixaram. 

É o espírito das soluções com as quais procuramos responder à situação dos povos indígenas, que continua crítica em diversas regiões do país.

Repórter do Canal 8 com o professor e jornalista mbya Brigido Bogado e a artesã Irma Cabral com uma de suas peças



Notas:
* Abertura de Andrés Colmán Gutiérrez
Com exceção da primeira foto da jornalista Desirée Esquivel e a foto da Ilha, as demais fotos são do acervo no Facebook do professor Brigido Bogado. San Cosme y Damián é um município do Departament de Itapúa, Paraguai que abriga a antiga Missão Jesuita de San Cosme y San Damián onde a igreja principal funciona até hoje. A missão é uma das sete altamente preservadas que formam o patrimônio cultural do Paraguai. Duas são patrimônio mundial / UNESCO  
Postado originalmente em 29 de abril de 2022 - Artigo original




domingo, 11 de dezembro de 2022

Jesús de Tavarãngue: era "para ter sido" uma cidade (capital) de todas as Missões jesuíticas

Richard Gómez recebe os visitantes em Jesús de Tavarangue 

 O Paraguai tem "sete ruínas" Jesuíticas. Três no departamento de Itapúa e quatro no departamento de Misiones. Não é Misiones, Argentina. O Paraguai também tem um departamento chamado Misiones. Das sete, só duas estão na lista da Unesco do Patrimônio Cultural Mundial: Jesús e Santísima Trinidad del Paraná. 

Das três que conheci junto com um grupo de jornalistas paraguaios convidados pela Secretaria Nacional de Turismo (SENATUR), a que mais me demanda esforço para escrever sobre ela é a que se chama Jesús de Tavarangué. Na viagem conhecemos Santísima Trinidad del Paraná, Jesús (na mesma noite) e San Cosme y San Damián, pela manhã do dia seguinte. 

Ainda no começo da viagem, antes de deixarmos a Ruta I que parte de Ciudad del Este em direção a Assunção e girar à esquerda para a Ruta 6 rumo a Encarnação, perguntei alguma coisa à turismóloga e coordenadora da viagem, Shirley Pedrozo, sobre as ruínas. Ela respondeu e acrescentou que a palavra "ruínas" não está mais em uso e disse por quê. Uma ruína se reduz a pedras e  está abandonada Já as missões que estávamos a caminho para conhecer são muito mais que isso. Elas contam uma história, dá para ver a história em sua silenciosa continuidade e algumas delas ainda são alvo de uso moderno. 

Entendida esta parte passei para outra e desta vez envolvendo outros jornalistas na conversa. Quiz saber o que significa o "rangué" de tavarangué. Expliquei que eu suspeitava que "rangué" quer dizer que deu errado? Que ao invés de uma coisa deu outra? Trazer o guarani à tona em uma conversa com paraguaios significa tocar em um assunto que é parte da alma do país. O guarani é falado e entendido por mais de 90% da população. A explicação começa do começo. 

Jesús, lembraram, foi construída para ser a futura capital de todas as missões. Para ser uma "tava" que quer dizer "cidade". Em guarani, a "futura cidade" seria tavarã (rã é uma partícula de futuro das coisas). Ou seja tava+rã. 

O guarani, em sua sabedoria, também tem uma partícula para o passado das coisas. É a partícula "Kue" que se escreve "ngue" depois de som nasal. É mole? O resultado é Tavarãngue! Explicou Shirley: "Jesús foi projetada para ser o centro de todos os povos jesuítas mas não foi concluída por causa da expulsão da congregação. Por isso o nome quer dizer  "cidade que iria ser mas não foi". Outra tradução desta vez em espanhol é "ciudad que hubiera sido". 

Jesús: Construída para ser o Centro de todos os 30 Povos Jesuítas das Missões (foto Wikipedia)



Alguma coisa bateu forte em mim e eu senti um arrepio geral nos braços. Isso acontece quando detecto sentimentos e energias complexas. Me maravilhei. 
Então Tavarangue não é nome qualquer para um lugar. Assim como Missão Jesus de Nazaré.  É o nome de uma tragédia, de uma realidade, de algo pesado na história das tentativas de colonização na América do Sul, da história humana. No dia seguinte quando finalmente chegamos a Jesús, Richard Gómez, que recepcionou o grupo acrescentou que o nome oficial da antiga redução é "Jesús, apelidada Tavarangué". Me liguei no "apelidada".     

Desembocadura do Rio Monday, primeiro local da Missão que então se chamou Jesús del Monday 


A segunda informação com carga emocional muito forte veio ainda do Richard Gómez, quando ele disse que Jesús foi estabelecida pela primeira vez em 1685  às margens do Rio Monday, próximo à desembocadura dele no Rio Paraná, abaixo do Salto Monday. Partindo do atual Marco das Três Fronteiras, descendo o rio Paraná, em menos de meia hora, a remo, chegaríamos à área da antiga redução. Se é fácil chegar ao local, hoje, de canoa em meia hora, imagine para os bandeirantes que sentiam o faro de "missões" a léguas de distância. Por isso, a missão adentrou o território espanhol buscando e por fim encontrando um bom local onde ela foi finalmente construída e onde esperava-se que prosperasse. O arquiteto da Missão foi o jesuíta espanhol Antonio Forcada. Forcada, contribuiu trazendo mais um detalhe para a missão de Jesús, a ex- Missão de Jesús del Monday. Forcada se inspirou na arquitetura árabe  a influência árabe espanhola, de sua experiência o que faz de Jesús a única Missão em que a arquitetura, em vez de barroca, é mourisca. 

 Iluminadas à noite 

A parede atrás do altar que ainda se conserva, iluminada com tecnologia moderna. Uma viagem no tempo.     

O ponto alto da visita noturna foi a projeção de videos sobre as antigas paredes segundo a tecnologia batizada de Mapping 3D. Quando Richard Gómez, o guia oficial convidou o grupo para andar em direção à igreja para ver a projeção, houve um segundo mágico em que, sem aviso, a parede atrás do altar parecia ter ganho vida. Parecia como se estivéssemos a ponto de entrar numa igreja histórica e ativa em qualquer lugar do mundo. Nesse um segundo foi possível cair a ficha de que esta igreja estava no meio da selva, a maioria dos fiéis era de nativos desta selva e que tudo tinha sido construído por eles, as pinturas, as estátuas, a música tudo era produzido, feito, imaginado, pensado, criado ali.   

A primeira vista da igreja com a parede na área do altar iluminada manda o visitante para centenas de anos de volta no tempo. Conduzindo o grupo, Lira Hein da equipe oficial do escritório da Senatur e o guia Mbya Luis Miguel Cabral  conversam com os viajantes do tempo em castelhano e guarani. Nas mãos, Lira Hein e Luis Miguel carregam uma luminária que aumenta o sentimento de havermos caído em algum lugar na viagem de volta aos início de nossa tentativa de criar um modo de vida que apesar dos pesares e afirmações contrárias era considerados justo. Como a missão, esse modo de vida "poderia ter sido" mas infelizmente não foi. Não posso deixar de pensar neste modo de vida como um "modo de vida_rãngue". É uma pena.  (Continuará)  

Nota:
Em português e espanhol para separar as sílabas de Tavarangue se faz assim: ta-va-ran-gue. Em guarani a separação se dá da seguinte forma: ta-va-rã-ngue. E não me pergunte por quê. 



quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Pirá Rendá um atrativo turístico que inclui aquário, museu e floresta reconstruída em São Cosme e Damião (PY)


Ranulfo Fletes: Pirá Rendá, o atrativo turístico criado por este senhor é uma utopia que deu certo, criada ao longo de 19 anos

Ainda sobre San Cosme y San Damián cidade certificada pela OMT como uma das 44 "Melhores Vilas Turísticas" escolhidas em em 2021 e anunciadas este ano, graças à sua Missão Jesuíta preservada, ter sido sede do primeiro Observatório Astronômico do Cone Sul e estar buscando colocar-se na rota de turismo e economia sustentável equilibrando passado, presente e futuro


No aquário principal

Aquários, oceanários e parques aquáticos são investimentos de capital intensivo e estão espalhados pelo mundo em destinos de turismo de massa. 

Não deixa de ser uma surpresa que na lista de atrativos de San Cosme, em Itapúa no Paraguai há um. Se chama Pira Rendá. "Pira" é peixe e "rendá" é lugar. O significado fica entre Lugar de Peixe e, na moral da história, "aquário".  A diferença entre o aquário de San Cosme e os outros aquários do mundo é que este foi idealizado, projetado e construído pelo engenheiro agrônomo Ranulfo Fletes, que entre outras experiências no currículo está ter sido vice-ministro do Meio Ambiente no Paraguai. 

"Isso aqui é uma utopia que nasceu 19 anos atrás quado comprei esse terreno", explica o dono do aquário Pira Renda ao receber o grupo de oito jornalistas de vários meios de imprensa paraguaios e no meio deles estava eu, de Foz do Iguaçu. "Esse terreno era uma pedreira e logo depois de comprar comecei a recuperar a terra", explica.


Aí começa o tour do Pirá Rendá. Logo na entrada há uma pequena piscina tipo laguinho onde se vê tartarugas. "Esta é uma tartaruga-cobra. Ela tem um pescoço enorme que permite defender-se de qualquer coisa que a agarre", e continua não só explicando mas contando história e se divertindo com os visitantes. Logo vem pequenos mini bosques ricos em orquídeas, canteiros de bromélias e  árvores em crescimento. "Temos até chuva com arco-íris", avisa acionando um ferramenta que aciona um aspersor de orvalho. 

Antes de chegar ao aquário há o museu. Um museu pequeno mas sério com amostras de objetos que contam a história do dia a dia da cidade, obras de arte atuais, ferramentas e ate uma lança do período de guerras e conflitos. 

O aquário tem alguns tanques com diversos exemplares de peixes como pacu, piranha, dourado (piraju) e até uma carpa que retribui o olhar do visitante.   

Embora a visita durante viagens de familiarização sejam relâmpago, há tempo para conhecer as várias cabanas que podem alojar até 40 pessoas no total. Uma delas é especial. "Quero mostrar a cabana feita com garrafas. Se não tivesse sido reutilizadas onde estariam agora?", pergunta. 

Maureen Gauto do Programa "Sombrero Viajero" na sacada do chalé: Vista maravilhosa do rio Paraná lá em baixo    


Garafas em pé e nichos trabalhado. Parede frontal do chalé 



Jornalista Karen Martínez de Assunção testa sofá da sala-de-estar do chalé. Paredes e piso também feitas de garrafas 

Foram usadas 3,900 garrafas. No primeiro andar da cabana tipo chalé as garrafas são de fundo quadrado. Na área de estar são de fundo redondo. De qualquer lugar do terreno incluindo as cabanas se vê o rio Paraná lá embaixo. "Ao contrário da Itaipu a gente não diz Lago de Yacyreta. às vezes dizemos "embalse", mas geralmente é somente Rio Paraná.   

Apontando para a imensidão do "embalse" ele lembra que o complexo de ilhas encabeçado peças ilhas de Yacyretá e Apipe tinham cerca 180 ilhas. 

Durante a conversa, eu disse ao engenheiro que ele me lembrava Moisés Bertoni. E ele reagiu: "Bertoni sempre foi minha inspiração", contou. E confidenciou uma experiência. "Quando eu trabalhava no serviço público, fiz um levantamento dos solos do Paraguai em parceria com o Instituto Alemão de Geodésia usando instrumentos modernos e laboratórios e o resultado foi igual às conclusões Bertoni que só utilizava amostras que os nativos traziam. Não foi parecido, foi igual", concluiu.

Ativo na sociedade onde ajudou fundar e é membro do Conselho Distrital de Turismo, continua trabalhando ára que a tradição da vila de San Cosme y Damián e o Rio Paraná receber grandes cientistas como Buenaventura Suárez, Moisés Bertoni e Curt Schrottky (este último não muito conhecido nas Três Fronteiras).

Ranulfo Fletes no Museu do Aquário Pirá Rendá. O quadro na parede é dele. O que há de raro nele? 
("Um peixe nada na direção contrária dos outros. Nem todo mundo pensa igual", responde)



Nota   

San Cosme y Damián tem sete pousadas turísticas. Além dos chalés do Aquário Pirá Rendá. Não é mais necessário que o visitante chegue correndo e saia voando sem entender o local, seu patrimônio, sua proposta e ver sua gente. A cidadezinha "Melhor Vila Turística" pode ser melhor aproveitada também pelo turismo que atende a nichos como observadores de pássaros, amantes de astronomia (a Argentina tem um grupo chamado Turismo de Estrelas), a amantes de história, turismo religioso quer como fiel ou interessados em história da religião, neste caso a história das fascinantes reduções (missões) jesuíticas, a proposta da Congregação de Jesus e ver como a história se reflete hoje. O meu entrevistado favorito disse também que um público que pode ganhar muito com a visita é o dos ligados nas energias. 


Pendentes com quartzo da comunidade Pindó

"Isso é um vortex de energia", disse lembrando que a geologia do local já cristalina ou rica em quartzo. Os mbya (guarani) da comunidade ou Tekoa chamada Pindó, oferece artesanato que inclui as pedras de quartzo. Fica a sugestão.    


Nesta série de postagens faltam duas reduções:

1. Santísima Trinidad del Paraná 

2. Jesús de Tavarangue

* Pira Renda em guarani e no uso paraguaio não necessita de acento. Transcrevo em português como "Pirá Rendá" para não confundir a pronúncia. 

  


segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Explorando a estrutura jesuítica de San Cosme y San Damián: Melhor Vila Turística pela OMT

 Vou começar este relato de viagem apresentando primeiro este símbolo:


Estabelecimentos do município (distrito) paraguaio de San Cosme y Damián têm a autorização de usar esta logomarca em seus projetos de divulgação

Ele  só pode ser usado por municípios no mundo que tenham recebido o título da Organização Mundial do Turismo. Com esta designação a cidadezinha "certificada" passa integrar uma lista de municípios de até, no máximo, 15 mil habitantes escolhidos a dedo a pedido dos governos nacionais. Para se qualificar o cidade precisa ter  características de  uma comunidade rural, que possa classificar-se como um destino turístico rural e que possua um patrimônio natural e cultural reconhecido. Deve ainda dar indícios de que preserva e promova os valores rurais, comunitários e o estilo de vida dessa comunidade. 

"Este edifício não é um museu. É o templo paroquial. Roga-se aos visitantes respeito e reverência. Convida-se aos católicos a que parem diante do Santíssimo"
(Recado dado)


Esta descrição encaixa como uma luva no Município de San Cosme y San Damián, no Departamento de Itapúa no Paraguai, com sua população na faixa dos 9.800 habitantes sobre uma área  de 800 km², 200 km² a mais que Foz do Iguaçu. Ninguém ousa questionar o direito da cidade ter um título mundial concedido por uma instituição pertencente ao sistema de organizações da ONU, falo da OMT, como uma das Melhores Vilas Turísticas. 

A única paróquia da cidade funciona na Igreja Jesuítica. Ainda hoje crianças da comunidade estudam na escola que usa o antigo Colégio Jesuíta. A Praça Principal da cidade está no antiga Plaza Mayor dos Jesuítas. Parte da estrutura da Secretaria de Turismo está em uma casa da época jesuíta ao lado de uma casa moderna onde se vende ingressos para vistar as outras duas missões da região que são Jesús de Tavarangue e Santíssima Trindade. 
Em primeiro plano o corredor do Colégio Jesuíta. Ao fundo a Igreja

O chefe da Secretaria de Turismo, Rolando Barboza recebeu e acompanhou o grupo de jornalistas durante toda a permanência e isso incluiu visitar a igreja principal que não ocupa toda a área construída para a Igreja Provisória. A Igreja principal começou a ser levantada mas não deu tempo para terminá-la devido a expulsão da congregação.
Visão frontal da Igreja que teve a última retoque em entre 1989 e 1991


Relógio do Sol continua marcando a hora. Barboza explica o funcionamento às jornalistas Karen Martínez e Maureen Gauto

Rolando Barboza mostra detalhes da construção

Mulheres da comunidade chegando ao portão de segurança apesar de um incêndio e saqueios 


Pintura original no teto da área do Colégio Jesuíta

Fundada em 1632 e ainda em funcionamento

Barboza não teve preguiça de mostrar toda a igreja, imagem por imagem, o altar e dependências do templo. Depois veio a caminhada inesquecível pelo antigo colégio onde até hoje crianças recebem aulas de arte, pintura, dança, inglês e outras disciplinas. E para provar que a historia está presente, todos os anos e várias vezes por ano há procissões, celebrações lideradas por padres jesuítas que ainda estão presentes no dia a dia da pequena cidade e sem dúvida uma Fantástica Vila Turística. As fotos mostram parte do que Rolando Barboza mostrou aos jornalistas.          

Sobre o concurso Melhores Vilas Turísticas (do Mundo)
Todos os anos a OMT abre o concurso internacional. Os ministérios do turismo indicam os candidatos nacionais. O Ministério do Turismo do Brasil indicou em 2021 três Vilas Turísticas: o distrito de São Bartolomeu, em Ouro Preto (MG), o distrito de Alberto Moreira, em Barretos (SP), e a Vila do Enxaimel, em Pomerode. No caso brasileiro não é a cidade inteira. Quem venceu foi a Vila, Distrito ou Rota do Enxaimel, não a cidade de Pomerode inteira. No Paraguai ganhou o selo e título San Cosme y San Damián. Outra localidade paraguaia que concorreu foi Yguazu antiga colonia japonesa hoje município no Alto Paraná não tão longe de Foz do Iguaçu.Yguazu pode tentar de novo. A cidade está construindo boas ofertas e roteiros. O blog de Foz logo divulgará Yguazu e suas propostas no turismo integrado das Três ou Tríplice Fronteira.           

domingo, 4 de dezembro de 2022

Visita às Missões Jesuíticas de Itapúa, Paraguai: São Cosme e São Damião



Estrutura de recepção e aquisição de ingressos

Entre os diferentes roteiros turísticos do Paraguai há um que se chama Rota Jesuítica. Ele é composto pelas missões  de San Ignacio Guasu, Santa Maria de Fé, Santa Rosa, Santiago, Santísima Trinidad del Paraná,  San Cosme y San Damián e Jesús. Jesús é o nome da missão. Mas segundo o guia altamente capacitado, Richard Gómez  que recebeu o grupo para uma visita noturna,  por um motivo triste e ao mesmo tempo especial Jesús recebeu o "apelido" de Tavarãngue.  

Entre os dias 1º e três de dezembro conheci três das missões desta lista. Jesús, Santísima Trinidad del Paraná  e San Cosme y San Damián. 

A viagem conhecida como Press Trip ou "viagem para a imprensa" foi organizada pela Secretaria Nacional do Turismo, uma secretaria com status de ministério. Saímos quatro jornalistas de Ciudad del Este, Dolly Galeano do diário La Nación, Yanina Allende do programa Todo Positivo, Luis Carlos Ayala, câmera, fotógrafo e piloto de drone do Todo Positivo e Jackson Lima de Foz do Iguaçu quem assina este Blog de Foz. Encontramos em Encarnação o outro grupo que partiu de Assunção, Conheci então Kaelo Fatecho, câmera e piloto de drone do programa Sombrero Viajero, a repórter Maureen Gauto do mesmo programa, Isabel Ciciolli do diário Ultima Hora e Karen Martínez da Revista Foco. Ter sido o único brasileiro no grupo foi um dos grandes destaques e alegria para mim dada à oportunidade de aprender. A viagem foi boa para todos já que a maioria não conhecia e se já conhecia não tinha tido a abordagem que tivemos. 

Falando em abordagem, a primeira veio da servidora da Senatur na Turista Roga em Ciudad del Este e turismóloga pela Universiodad Nacional de Este,  Shirley Pedrozo quando perguntei alguma coisa sobre as ruínas que visitaríamos. Ela gentilmente informou que o Paraguai não estava mais encorajando o uso da palavra "ruína" mas sim preferindo sempre o uso da palava Missão, já que as missões continuam vivas e algumas delas em funcionamento com missas ainda sendo celebradas por padres jesuítas e muitas delas ainda sob a gestão da Congregação Jesuíta. 

"Não é uma coisa do passado", destaca  No caso da Missão de San Cosme y San Damián a sede da paróquia é a antiga Igreja da Missão ocupando um edifício de 1761. O imenso prédio que inclui a igreja provisoria e o colégio são usados pela igreja atual que é parte da Diocese de Encarnação.  Entendida a mensagem de nossa guia Shirley Pedrozo, aboli o termo "ruínas".       

A cidadezinha de menos de 9 mil habitantes recebeu distinção da Organização Mundial do Turismo em 2022 de ser incluída na lista das  "Best Tourism Villages" ou Mejores Pueblos Turísticos (Melhores Povoados Turísticos).

O título reconhece a capacidade da cidade manter o equilíbrio entre passado e presente, ser fiel a sua história e estórias, ao ponto da praça municipal de hoje ser a mesma Plaza Mayor da missão. Os equipamentos urbanos como parquinho para crianças vivem sob a sombra de árvores centenárias. 

Modelo da Via Láctea no Centro de Interpretação

Jornalista Maureen Gauto testa o modelo da Via Láctea
O jesuíta mais famoso da antiga redução era astrônomo e matemático. Buenaventura Suárez construiu em San Cisme y Damián o primeiro observatório astronômico da região do Prata. O corpo do telescópio foi feito de bambu e a lente cortada e polida do quartzo ainda presente e valorizado na região. Unindo e equilibrando passado e presente uma estátua do padre Buenaventura Suárez ocupa um pedestal na antiga Plaza Mayor ou atual Praça Municipal. 

Inspirado no legado de Buenaventura, a Secretaria criou um Centro de Interpretação Astronômica que inclui um observatório astronômico equipado com vários telescópios para observação noturna e um telescópio refrigerado a hidrogênio para observação do sol. Há também um modelo da Via Láctea que permite a interação com o visitante. A repórter Maureen Gauto não perdeu a oportunidade de ter a experiência de entrar no  buraco negro no centro do modelo de Via Láctea e sair no outro lado do universo. A interpretação inclui um vídeo sobre a astronomia guarani, mostrando a sabedoria dos povos originários na pratica de observar os céus para guiar suas atividades na agricultura.

O monitor do Centro de Interpretação Jorge Benítez mostra funcionamento do modelo do sistema solar

Sinalização trilíngue do atrativo: castelhano, guarani e inglês


Jornalista Karen Martínez em observação do sol

Parque Municipal com árvores centenárias é a antiga Plaza Mayor da Missão

Monumento ao padre astrônomo Buenaventura Suárez e seu telescópio

Nota
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